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Pé na Praia: O arqueólogo do terminal de ônibus

Thomas Fischermann

26/07/2017 08h50

Pesquisadores acreditaram durante séculos que não havia nada de cunho histórico para se encontrar na floresta amazônia. Para provar o contrário, é necessário escavar, como o Doutor Silva.A manhã estava ensolarada em Manaus. O terminal de ônibus na periferia sul da cidade estava quase vazio. Rádios chiavam, de longe se ouvia o barulho de alguém trabalhando com uma serra elétrica, a poeira do chão deixava nossos sapatos amarelados. "Os lugares onde não tem asfalto são de interesse especial”, disse Carlos Augusto da Silva, um homem de estatura baixa, nos seus 60 anos, de rosto simpático. Ele é pesquisador, doutor em arqueologia na Universidade Federal do Amazonas (Ufam). Tem um currículo digno de um filme do Indiana-Jones: descendente de indígenas, filho de carpinteiro, mas posteriormente estudante universitário. Obcecado com a ideia de desvendar os segredos arqueológicos da floresta amazônica brasileira.Na verdade, é o seguinte: os pesquisadores acreditaram durante séculos que não havia nada para se encontrar nesta floresta. Tudo bem, os espanhóis fantasiaram a respeito do reino do "Eldorado”, caçadores de aventuras ingleses saíram à procura da perdida cidade de "Z”. Mas os pesquisadores sérios afirmavam, em sua maioria, que no lado brasileiro não havia nada mais que povos primitivos, enquanto em outros lugares, no Peru, por exemplo, viveram culturas altamente desenvolvidas. Por aqui não haveria nenhuma escavação a se fazer.Há alguns anos, entretanto, os pesquisadores do Brasil e de todo mundo entraram em uma verdadeira competição: vieram para cá americanos, franceses, alemães, britânicos, e o Doutor Silva. Eles trouxeram máquinas de análise de última tecnologia, drones e aparelhos de radar que detectam até dentro do chão. Atualmente, muitos pesquisadores creem que o Amazonas antigamente já foi densamente povoado. Povos desconhecidos plantaram uma parte da "mata virgem”. Chegaram até mesmo a construir espécies de cidade e caminhos em linha reta entre elas. Para descobrir mais a respeito, é necessário escavar, sim.Tinha imaginado que minha viagem com o Dr. Silva seria uma verdadeira aventura. Mas fomos em um carro pequeno, seu filho ficou no volante, e o pesquisador ia me explicando tudo do assento da frente. "Nas cidades de hoje em dia há muito para se encontrar, pois partimos do pressuposto de que estes lugares sempre foram densamente povoados”, diz ele. "Um bom lugar sempre será um bom lugar. Além disso, é uma corrida contra o tempo: contra a construção de novos prédios, contra o avanço do asfalto”. Em meia hora alcançamos o terminal de ônibus empoeirado, e Dr. Silva ajoelhou-se bem no meio do terminal."Vocês estão vendo estes traços arredondados aqui?”Vimos três, quatro, e então mais um traço na poeira. Dr. Silva explicou que eram urnas, vasilhas funerárias de cerâmica, algumas sem enfeites e outras pintadas, algumas avermelhadas e outras amareladas. Ele me disse que mandaram testar a idade da terra ao redor destas urnas: são mais de 2 mil anos de idade. Sua equipe já havia encontrado, em outros lugares, material de até três vezes mais idade."Ainda não sabemos praticamente nada sobre o povo que enterrou estas urnas aqui”, disse o arqueólogo. "Sabemos apenas que devem ter plantado estas palmeiras”. Seu braço apontou para um canto do terminal onde estava a sombra de algumas palmeiras Indajá. "Na natureza quase não aparecem grupos de palmeiras assim. E em todo lugar onde se encontram tais grupos também encontramos material arqueológico”.Poderíamos escavar as urnas agora. Dr. Silva estima que tenham que escavar a terra de 50 centímetros a um metro de profundidade. Já fez o mesmo em outros lugares, os resultados agora estão em vitrines de museus e são admirados por visitantes. Aqui no terminal de ônibus, disse, faltam recursos. Seriam necessários assistentes, autorização, dinheiro, um acordo com o proprietário da terra. O arqueólogo disse que já procurou a diretora de uma escola que fica ao lado do terminal. Perguntou se os alunos teriam interesse que ele desse uma palestra sobre o sítio arqueológico bem ao lado. "A resposta foi: aqui não estamos interessados em ‘coisas de índio'”, contou.As urnas devem permanecer na terra, os veículos pesados vão passar em cima diariamente, um dia colocarão uma nova camada de asfalto."Em outros lugares, no Peru, já teriam organizado passeios de turismo até lá”, disse o pesquisador. Ele riu feliz e entrou novamente em seu carro pequeno. "No Brasil transformamos o sítio arqueológico em um terminal de ônibus.”Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão die ZEIT na América do Sul. Em sua coluna "Pé na Praia" faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.