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O tema que pode inflamar a campanha eleitoral alemã

Matthias von Hein (as)

31/07/2017 11h52

Segurança e terrorismo estão entre os assuntos que mais preocupam os eleitores na Alemanha, e muitos os associam à crise dos refugiados. Velho debate sobre integração de estrangeiros na sociedade ganha nova força.A Alemanha é um Estado secular, e a política não se ocupa da religião – quase sempre. Pois a chegada de centenas de milhares de refugiados, muçulmanos em ampla maioria, ao longo de 2015, e também casos de terrorismo islâmico colocaram o islã na agenda política do país. "A Alemanha não é burca", declarou, por exemplo, o ministro do Interior, Thomas de Maizière, nas suas teses sobre a leitkultur (cultura guia, ou um conjunto de valores que servem de orientação) alemã, em abril deste ano.A proibição do uso de burcas é um tema recorrente no debate sobre integração e islamismo, apesar de, na Alemanha, haver no máximo algumas centenas de mulheres que saem à rua cobertas dos pés à cabeça. É verdade que, em 2010, o então presidente Christian Wulff postulou, num discurso extremamente polêmico, que "o islã faz parte da Alemanha", mas, em setembro deste ano, os alemães elegerão um novo Parlamento, e os partidos tradicionais temem a concorrência dos populistas de direita.Os dois grandes partidos, a conservadora União Democrata Cristã (CDU) e Partido Social-Democrata (SPD), evitaram falar de islã, leitkultur e integração nas suas campanhas eleitorais. Isso valeu até meados de julho, quando o candidato a chanceler do SPD, Martin Schulz, tocou na questão da crise dos refugiados.Para o cientista político Oskar Niedermayer, a problemática dos refugiados – "que, aos olhos da população, está fortemente relacionada com islã e terrorismo" – é, de longe, o tema mais importante para os eleitores. Por isso, ele avalia que esse tema tem potencial para esquentar a campanha nestas últimas semanas.Igualdade de direitos O que dificulta o debate sobre islã e sharia é que há tantas interpretações que as fronteiras se diluem. "Você pode usar a sharia para pisotear os direitos humanos ou você pode usá-la para fundamentar os direitos humanos", afirma o especialista em Direito e islã Mathias Rohe.Mas, onde a sharia é a base de um sistema de regras, as tendências mais visíveis têm caráter repressor, afirma a pesquisadora Susanne Schröter, do Centro de Pesquisas Islã Global, em Frankfurt. Isso vale sobretudo para o papel da mulher na sociedade. "Em todas as escolas de Direito você encontra algo semelhante: que homens e mulheres não são iguais em direitos, e que privilégios são concedidos aos homens", explica.Para Schröter, tendências à imposição de uma ordem islâmica repressiva existem também na Europa. "Em todos os lugares onde há bairros muçulmanos – especialmente no Reino Unido, mas também nos arredores de Paris – percebe-se que a ordem islâmica se impõe no convívio social", afirma. Ela cita exemplos do cotidiano. "Em alguns bairros, mulheres não frequentam mais cafés e restaurantes. No Ramadã, todo o comércio está fechado. A questão não é mais se uma mulher pode sair à rua sem véu porque nenhuma mulher sai de casa sem véu."A Alemanha está bem longe disso, diz Schröter. Mas também na Alemanha há uma pressão crescente sobre as meninas muçulmanas para que elas usem véu na escola e respeitem a divisão entre os sexos. "Elas sofrem bullying, fotos delas são postas na internet, os pais ouvem que a filha é uma vagabunda", exemplifica a especialista.Multiculturalismo versus "leitkultur"Para o cientista político Werner Patzelt, exemplos como esse "evidenciam a ilusão do multiculturalismo". A igualdade entre os sexos é uma parte constituinte da cultura europeia e ocidental, e essa cultura fundamenta o modo de vida na Europa, analisa.Segundo Patzelt, o multiculturalismo parte do princípio de que todos os imigrantes vão incorporar os valores da cultura europeia e apenas adorná-los com elementos folclóricos, como feriados e vestimentas. "Só que isso não é verdade quando algumas pessoas levam a sério determinadas interpretações da sua religião."Em relação aos partidos políticos, Patzelt afirma: "Quanto mais à direita do espectro político eles estiverem, tanto mais eles dizem 'a cultura vigente no país não deve ser alterada', e tanto menos eles se sentem inibidos de cobrar isso também de migrantes. E no centro dessa cobrança está a aceitação dos nossos padrões culturais."Segundo o especialista, uma análise nos programas eleitorais dos partidos políticos revela que eles se ocupam da questão se a Alemanha deve se tornar cada vez mais uma sociedade multicultural ou se os sistemas e normas históricos da sociedade alemã devem ser ressaltados.Por outro lado, segundo Niedermayer, até agora nenhum partido mirou a comunidade islâmica como público-alvo específico na campanha eleitoral, apesar de haver quase 5 milhões de cidadãos muçulmanos. Não se sabe, porém, quantos deles estão habilitados a votar.