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Pé na Praia: Uma feminista na "Playboy"

Thomas Fischermann

13/12/2017 08h53

Autumn Sonnichsen fotografa mulheres nuas para propagandas, a "Playboy" e outras revistas eróticas. E ela se descreve como feminista. Tem alguma coisa errada nisso?Quando recebo uma mensagem de minha amiga Autumn, olho cuidadosamente a meu redor e cubro meu celular com as mãos. Isso tem a ver com o fato de ela me mandar nudes com tanta frequência: de pernas femininas, peitos e traseiros. Algumas vezes as fotos são tiradas contra a luz, num estilo bem comportado, outras vezes com luz frontal. Ou as mulheres estão sentadas timidamente em praias românticas, ou dependuradas num mastro de dança como numa casa de strip-tease. Gosto muito de receber as mensagens da Autumn. Mas há bem pouco tempo não resisti e perguntei a ela: O que você acha do feminismo?

Autumn Sonnichsen fotografa nudes profissionalmente– para a Playboy e outras revistas eróticas. Ela não ganha pouco para isso, leva uma vida bem cosmopolita no Rio de Janeiro (onde vive), em São Paulo, Los Angeles (onde cresceu), Berlim, Bali, Paris. E ela se descreve como feminista. Do meu ponto de vista pudico de alemão, fiquei pensando: tem alguma coisa errada nisso.

"Se alguma vez fui atacada por causa do meu trabalho? Nunca!” disse Autumn, quando nos encontramos em um bar para tomar umas taças de vinho tinto. Ela sorriu seu sorriso simpático, porém, lançou um olhar sobre mim durante toda a noite: "Pode fazer o que quiser com o seu alemão pudico”, quis dizer.

Ela me contou histórias de seu mundo burguês liberal, no qual pudor não significa nada. Há poucos dias, sentou-se com seus modelos em um painel de discussão em São Paulo, contou para mim, e as modelos eram escritoras e bailarinas e editoras e curadoras e editoras de arte. Todos à vontade e harmônicos, tinham uma coisa em comum: nas fotos de Autumn estavam belíssimas.

Mas Autumn, me diz uma coisa, de verdade: você nunca foi criticada por causa do seu trabalho? Mesmo você vivendo no Brasil, onde justamente agora está surgindo uma nova onda de moralismo? Por causa da crítica de grupos evangélicos e outros guardiães dos bons costumes até mesmo exposições em museus foram fechadas!

"Não tenho esse problema. Sou a fotógrafa. Se alguém tem problemas, são as modelos”. Na maioria das vezes, ela disse, tais problemas não surgem publicamente, e sim em âmbitos privados. Homens da família ou do círculo de relações tentam apavorá-las ou fazê-las sentir peso na consciência. Ou criticam que a modelo receba tão pouco dinheiro para posar nua. A pressão também vem de mulheres. "Mulheres não são boazinhas umas com as outras”, disse Autumn. "É muito fácil chamar alguém de vadia.”

Autumn nasceu na Flórida. Em 2005, aos 22 anos de idade, mudou-se para o Brasil. Antes disso já tinha vivido em Los Angeles, Berlim, Washington, Paris e Cairo. "Os outros fotógrafos da Playboy eram homens cinquentões”, disse. Já tirava fotos de nudes há bastante tempo, e seus pais viam isso com ressalvas, até que foi parar na Playboy. "Era uma marca respeitada”, explicou. "O problema deles era mais medo de que eu acabasse morrendo de fome, e menos o pudor."

Assim, atualmente, Autumn fotografa "naked ladies”, como prefere chamá-las. Às vezes descobre suas belezas nas praias do Rio, e as convida para as sessões de fotografia, mas também tem modelos que vêm de muitos países do mundo.

Suas fotografias são de alto teor estético, algumas vezes contam pequenas estórias. As modelos parecem estar alegres, se divertindo, e Autumn as coloca em situações pouco convencionais: elas afundam na sujeira, estão sem fôlego ao subir um morro, andam sobre um carro completamente nuas pelo Rio de Janeiro. Algumas modelos já se tornaram velhas amigas da fotógrafa, uma "Lady” até pediu a ela que a acompanhasse na sala de parto quando teve um bebê, e desde então ela tem tirado sempre fotos da família feliz.

Mas só de vez em quando as fotos de Autumn são projetos de arte – na maioria são encomendas de um redator que quer vender uma revista e espaço para anúncios, e tem em vista uma clientela masculina. Cool e na moda para a França, sensual para o Brasil, cada mercado nacional tem seu estilo.

As suas "naked ladies" são tratadas como objetos, Autumn? "Eu não vejo nenhum problema aqui”, replicou Autumn. Quando fotografa mulheres, disse, dá a elas um espaço para se expressar. Nas fotos, elas podem ser o que quiserem. "As mulheres gostam disso. É raro ter um espaço onde se pode simplesmente ser bonita”, disse Autumn. Ela também fez outro ponto. "Toda vez que se tira roupa é político.”

Tudo bem. Foi nesse ponto que, como jornalista masculino, me senti numa situação estranha. Sei que se pode ter um monte de opiniões estéticas, eróticas ou políticas sobre a pornografia. Mas daí a considerar a Playboy como contribuição para a libertação feminina? Até então não tinha ouvido isso de ninguém além da Autumn. Mas ela parecia estar muito convencida sobre suas opiniões, ou pelo menos era uma profissional que sabia fazer seu marketing. Para mim, estava sendo um pouco difícil contradizê-la como mulher.

Tentei mesmo assim e falei das poses da Playboy. Traseiros para fora, indicador na boca, pescoço erguido... "Também é uma questão cultural”, ela me interrompeu. "Empinar o numbum: não é preciso ensinar às brasileiras! Às alemãs, sim!”

Perguntei se tais poses não reduzem as mulheres a objeto sexual. "Não acho as poses tão problemáticas assim”, respondeu Autumn. "Também são engraçadas. As ladies gostam de fazê-las.” Fez uma pausa. "Sempre se pode ser reduzido a algum aspecto”, disse. "E sim, é uma fantasia heterossexual masculina. Mas ser bonita também é um sonho das mulheres.”

Esta representação de mulheres é comercializada nessas revistas, mencionei, e Autumn concordou. "Existe um comércio. Alguém ganha dinheiro com isso, inclusive a mulher que está sendo fotografada”, disse. "Também é uma afirmação para essa mulher: posso fazer com meu corpo o que eu quiser! As mulheres precisam ter essa liberdade!”

Você acha certo se carros ou celulares são anunciados com mulheres nuas? Dá para mostrar os peitos para vender mais cerveja? "Vou te mostrar minha capa sobre a Oktoberfest em Munique”, ela respondeu. Carregou no celular uma foto na qual uma mulher altamente erótica estava sentada na grama ao lado de uma caneca. "Bem, achei engraçado. E a lady também achou engraçado”.

Ok, tomei um gole do meu vinho tinto. Já estava ficando cansado de ser o moralista naquela mesa. De qualquer forma, olhei sério e perguntei a Autumn: "E como você vê isso como feminista?”

"Feminismo pode significar tantas coisas”, respondeu Autumn, "mas na verdade quer dizer que as mulheres têm espaço no mundo”.

No Brasil, ela acha, a fotografia erótica não é um problema para a causa da emancipação. Existem muitas outras frentes de batalha: contra abusos nas famílias, por exemplo. Turismo sexual com menores de idade. Prostituição forçada e condições desumanas em bordéis. A supressão da voz das mulheres na questão do aborto.

"Se todos se preocupam tanto assim sobre o corpo no Brasil - é espantoso ele ser tematizado tão pouco se tem sido tão maltratado!”

Thomas Fischermann é correspondente para o jornal alemão die ZEIT na América do Sul. Em sua coluna „Pé na Praia" faz relatos sobre encontros, acontecimentos e mal-entendidos - no Rio de Janeiro e durante suas viagens. Pode-se segui-lo no Twitter e Instagram: @strandreporter.