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Opinião: No Peru, um golpe contra a confiança na política

Uta Thofern (av)

25/12/2017 15h38

Quer o perdão ao ex-ditador Fujimori tenha sido um acordo sujo, quer não, o presidente peruano Kuczynski perdeu a confiança de seus eleitores, opina Uta Thofern, chefe do Departamento América Latina.Que presente de Natal! Pontualmente para a festa do nascimento de Cristo, o ex-ditador do Peru Alberto Fujimori foi indultado. Um homem que é comprovadamente responsável e foi condenado pela morte de 25 civis; que durante o mandato, nos anos 90, enviou esquadrões da morte contra seus adversários políticos; que ordenou a esterilização compulsória de dezenas de milhares de índias.

Um dos últimos ditadores da América Latina parece ainda ter as cartas na mão no país, através de sua influente família. Difícil acreditar que o presidente Pedro Pablo Kuczynski, cuja posição está seriamente abalada, tenha agraciado esse criminoso por motivos humanitários. Uma doença grave é a única razão para o perdão de uma pena no Peru, porém Fujimori é paciente cardíaco há muito tempo e, apesar disso, por diversas vezes Kuczynski recusou seu pedido de indulto.

É fato que no sábado (23/12) o ex-ditador foi transferido do presídio para uma clínica, devido a um ataque de taquicardia, mas, ao que tudo indica, ele estava disposto o suficiente para telefonar e fazer selfies com seu filho Kenji. Ele conseguiu até mesmo enviar um "Feliz Navidad" ao mundo das redes sociais, ainda que com sensível esforço.



Portanto muitos são os indícios de que esse indulto de fato seja o resultado de um acordo sujo. Kuczynski só escapou do impeachment na última semana, de maneira surpreendente, porque alguns deputados do partido da filha de Fujimori, Keiko, deixaram de votar contra o presidente, instados pelo filho Kenji.

Como o Força Popular detém a maioria no Parlamento, e outros partidos não estavam mais tão convencidos com Kuczynski, seu destino parecia estar selado. Que incrível acaso, apenas três dias após Kenji Fujimori ter intercedido a favor de Kuczynski, ele estar sentado ao lado da cama de seu pai no hospital, agradecendo ao presidente.

No longo prazo, esse indulto não foi bom negócio para Pedro Pablo Kuczynski. Logo em seguida à decisão, já transcorriam os primeiros protestos em Lima; nas redes sociais, adeptos do chefe de Estado falam de traição. Afinal de contas, muitos só votaram nele em 2016 para evitar uma vitória de Keiko Fujimori. Os fujimoristas, por sua vez, não passarão a apoiar Kuczynski de uma hora para a outra, apesar de toda alegria pela libertação de seu ídolo: ele continua sendo seu opositor político.

E agora não tem mais amigos: ele comprometeu de vez sua credibilidade e desferiu um duro golpe contra a confiança na política na América Latina. Afinal de contas, até pouco tempo atrás o economista pouco carismático mas, em compensação, com experiência de mundo, era considerado um negociador confiável e livre de escândalos.

Embora ainda profundamente dividido na política, o Peru está em boa situação econômica. O tranquilo liberal-conservador parecia ser a pessoa certa para preservar o país do perigo do populismo de direita ou de esquerda. Contudo seu comportamento relativo às acusações de corrupção que redundaram no processo de afastamento foi, para dizer o mínimo, desajeitado.

Provavelmente Kuczynski não fez mesmo nenhum negócio ilegal com a corrupta empresa brasileira Odebrecht. Porém sua autodefesa demonstrou falta de instinto político e incrível alienamento, ficando longe de ser convincente. Com o perdão a Fujimori, o presidente peruano possivelmente terá perdido até seu último apoiador indeciso.

Independente do que realmente tenha ocorrido nos bastidores, Kuczynski porta agora o rótulo de "subornável". Mais um na classe política latino-americana, porém um de quem menos se teria esperado. O chefe de Estado do Peru lançou um sinal muito ruim para o futuro.

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