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Boris Johnson: "Posição da Rússia no caso Skripal é cada vez mais bizarra"

Zhanna Nemtsova

20/03/2018 12h48

Em entrevista à DW, ministro britânico do Exterior explica por que acredita que Putin é responsável pelo ataque ao ex-espião russo e ameaça com ação firme do Estado contra dinheiro ilícito no Reino Unido.A União Europeia (EU) declarou "solidariedade incondicional" ao Reino Unido no caso do ex-espião russo Serguei Skripal, embora os diplomatas europeus não tenham chegado a um consenso sobre se o governo da Rússia é responsável pelo envenenamento – ao contrário do Reino Unido.

"Nós no Reino Unido pensamos que a evidência, a culpabilidade aponta para o Estado russo, assim como ocorreu no caso de Alexander Litvinenko", afirmou o ministro do Exterior do Reino Unido, Boris Johnson, em entrevista à DW. "Nós demos uma opção: oferecemos trabalhar em conjunto, mas não obtivemos resposta. Fomos tratados com sarcasmo. Resta-nos concluir que se trata de uma ação do Estado russo."

O Reino Unido afirma que Skripal, de 66 anos, e sua filha Yulia, de 33 anos, foram envenenados com o agente nervoso Novichok, desenvolvido pela extinta União Soviética. Ambos continuam hospitalizados em estado crítico, após terem sido encontrados inconscientes em 4 de março, no banco de um parque na cidade de Salisbury.

"Tomamos a decisão de demonstrar que, caso alguém estiver usando imprudentemente um agente nervoso do tipo que não tinha sido usado na Europa desde a Segunda Guerra, caso alguém esteja indo fazer isso em Salisbury, então esse alguém precisa enfrentar algumas consequências diplomáticas", afirmou Johnson.

DW: Há alguns dias, o senhor declarou que era extremamente provável que Putin ordenara pessoalmente o uso de um agente nervoso para atacar o ex-espião Serguei Skripal. O que o senhor e o Parlamento britânico têm como prova para apoiar essa posição?

Boris Johnson: Antes de tudo, penso que é muito importante mostrarmos que pensamos que os culpados por isso não são os russos nem a Rússia. Não temos desavenças com a Rússia. Estes são atritos com o Kremlin e com o Estado russo em sua formação atual.

E a razão pela qual eu disse aquilo é que, se olharmos para a substância que foi usada, trata-se do agente Novichok, de acordo com nossos cientistas em Porton Down [instalação científica onde também fica um departamento do Ministério da Defesa]. Também deve ser considerado que Serguei Skripal é alguém que tem sido identificado como um alvo de extermínio e que Vladimir Putin disse que os traidores, ou seja, desertores como Skripal, devem ser envenenados. Trata-se de um agente nervoso exclusivo da Rússia.

Mas o senhor possui alguma evidência sólida de que Putin ordenou diretamente o envenenamento? Por que o que o senhor disse é a acusação mais direta já feita ao líder da Rússia.

Bem, ele está no comando desse trem. Alguém tem que ser o responsável, e nós no Reino Unido pensamos que a evidência, a culpabilidade aponta para o Estado russo, assim como ocorreu no caso de Alexander Litvinenko [ex-tenente-coronel russo morto por envenenamento em 2006]. Você lembra que a trilha do polônio levava muito claramente ao Estado russo. No final das contas, é Putin quem está no comando, e receio que ele não possa fugir da responsabilidade e da culpabilidade.

Por que o senhor – consequentemente, o governo britânico – deu esta declaração sem esperar o resultado da investigação ainda em andamento?

Porque temos uma experiência amarga do que acontece com a Rússia de Putin quando temos um problema igual a este. Há 12 anos tivemos o assassinato de Alexander Litvinenko em Londres. Naquela época, foi um evento fora do comum. O Reino Unido procedeu com imensa cautela e lentidão e decidimos trabalhar com o sistema judicial russo para tentar a extradição dos senhores [Dimitri] Kovtun e [Andrei] Lugovoy, que eram fortemente suspeitos de serem os responsáveis. E, no final, acabamos por receber apenas uma espécie de recusa sarcástica de se envolver com nosso processo judicial.

Nós sentimos que era importante tomar essa decisão, de seguir, de demonstrar que, caso alguém esteja usando imprudentemente um agente nervoso do tipo que não tinha sido usado na Europa desde a Segunda Guerra, caso alguém esteja indo fazer isso em Salisbury, então esse alguém precisa enfrentar algumas consequências diplomáticas.

O senhor argumenta que a fonte desse agente nervoso Novichok é a Rússia. Como o senhor conseguiu concluir isso tão rapidamente? O Reino Unido possui amostras?

Deixe-me ser claro com você... Quando olho para a evidência, quero dizer as pessoas em Porton Down, o laboratório...

Então eles têm amostras...

Sim, eles têm. E eles foram absolutamente categóricos. Eu mesmo perguntei a um cara. Eu disse: 'Você tem certeza?'. E ele respondeu que não há dúvida. Temos muito poucas alternativas além de tomar a medida que tomamos.

Mas devo dizer que a diferença entre agora e o que ocorreu há 12 anos com Alexander Litvinenko é também que há muito mais abertura na comunidade internacional, muito mais compreensão sobre o tipo de comportamento que a Rússia tem exercido nos últimos anos. Ao redor da mesa em Bruxelas, em conversa com todos os outros países europeus, não há quase ninguém que não vivenciou, direta ou indiretamente, algum tipo de comportamento maligno ou perturbador.

Mas numa entrevista no domingo, o senhor mencionou que gostaria de ter uma cooperação construtiva com a Rússia sobre o assunto. Tendo acusado Putin diretamente, como isso será possível?

Como a primeira-ministra [Theresa May] disse, nós demos uma opção. Nós dissemos: Olha, isso é Novichok. Se houver uma explicação racional de como ele escapou de seus estoques e como veio a ser usado nas ruas de Salisbury, então nos deixe trabalhar juntos e ir até o fim com isso. Caso, por outro lado, não houver explicação, nos resta concluir que se trata de uma ação do Estado russo. E não obtivemos resposta. Fomos tratados com diversos tweets e trolls sarcásticos.

O Kremlin afirma que gostaria de ter acesso às amostras do material deste caso. O senhor permitirá esse acesso aos investigadores russos?

Penso que, em primeira lugar, e com respeito aos detetives do Kremlin, confiaremos nos especialistas técnicos da Organização para a Proibição de Armas Químicas (Opaq). Vamos ver qual é a avaliação deles. Esse é o procedimento adequado que o Reino Unido tem que seguir, segundo o Tratado sobre Armas Químicas. E eu simplesmente tenho que dizer que acho a posição russa sobre o que ocorreu com esse Novichok cada vez mais bizarra.

O governo britânico e a primeira-ministra do Reino Unido anunciaram algumas medidas, e o senhor já expulsou 23 diplomatas russos e recebeu uma resposta proporcional. Quais outras medidas serão tomadas?

Expulsamos 23 diplomatas, provavelmente espiões que se passavam por diplomatas, e há outras medidas que iremos tomar. Em particular, estamos endurecendo nossas fronteiras e temos muitas leis que nos permitem agir com firmeza em relação a dinheiro que está no Reino Unido e foi obtido de forma ilícita ou corrupta. Nós podemos fazer isso.

Temos a Agência Nacional Criminal (NCA), a Unidade Nacional de Crime Econômico. E eles continuarão com esse trabalho. Mas devo enfatizar que o Reino Unido é um Estado de Direito, e eu não posso, como político, ordenar que se vá atrás do dinheiro dessa pessoa, que se faça isso ou aquilo. Não é assim que funciona.