"O inimigo do meu inimigo é meu amigo": como Arábia Saudita e Israel se aproximaram
Príncipe herdeiro da Arábia Saudita afirma que israelenses têm direito ao próprio Estado. Aceno a Israel ocorre porque ambos os países temem a influência regional de um inimigo em comum: o Irã.
Foi uma declaração quase casual que trouxe o príncipe herdeiro saudita Mohammed bin Salman ao topo das manchetes. Cada povo – não importa onde – tem o direito de viver pacificamente como nação. Esta foi a resposta a uma pergunta do jornalista Jeffrey Goldberg, da revista norte-americana "The Atlantic".
Goldberg quisera saber de Bin Salman se o povo judeu teria direito a um Estado, ao menos em parte de sua histórica terra ancestral. A declaração generalista do príncipe herdeiro foi completada de forma bem clara: "Acredito que os palestinos e os israelenses têm o direito de terem a própria nação".
Depois disso, a entrevista rodou o mundo, especialmente porque o príncipe herdeiro acrescentou outras declarações ainda mais espetaculares, como aquela na qual compara o aiatolá Ali Khamenei a Adolf Hitler.
"Acredito que o principal líder iraniano faz Hitler parecer bom", afirmou Bin Salman. O príncipe herdeiro argumentou que Hitler tentou conquistar "só a Europa", ao passo que Khamenei quer conquistar o mundo todo. Segundo Bin Salman, o aiatolá Khamenei é "o Hitler do Oriente Médio".
"O inimigo do meu inimigo é meu amigo"
O gesto conciliatório em relação a Israel e a devastadora difamação do líder religioso iraniano caminham juntos, afirma o especialista Sebastian Sons, do Conselho Alemão de Relações Exteriores. Com suas declarações, Bin Salman está impulsionando uma política que, já há vários meses, revela uma reaproximação entre a Arábia Saudita e Israel.
"Isso se deve principalmente ao fato de ambos os países verem no Irã uma séria ameaça à estabilidade e à segurança regionais. Assim, eles agem de acordo com o lema 'o inimigo do meu inimigo é meu amigo'", afirma Sons.
A extensão de quanto a Arábia Saudita se sente desafiada ou ameaçada pelo Irã se reflete também em ações agressivas de sua política externa. Há três anos que os sauditas estão à frente de uma coalizão internacional formada principalmente por Estados árabes e direcionada a combater os insurgentes houthis no Iêmen.
Aos olhos de Riad, os houthis são aliados do Irã, que por sua vez é suspeito de querer expandir sua influência no país vizinho, o mais pobre do mundo árabe. Isso significaria que Teerã estaria presente política e militarmente também na Península Arábica. A Arábia Saudita considera a península sua esfera de influência, e qualquer interferência estrangeira é considerada uma ameaça à segurança nacional em Riad.
A coalizão internacional contra o pequeno emirado do Qatar, vizinho imediato da Arábia Saudita na costa leste, também é vista como uma disputa indireta com o Irã. A Arábia Saudita acusa o Qatar de estar próximo demais do Irã. Em um documento datado de junho de 2017, Riad citou as condições necessárias para resolver a crise. Uma delas: o Qatar deve diminuir suas relações diplomáticas com o Irã e expulsar os membros da Guarda Revolucionária (divisão das Forças Armadas iranianas).
Além disso, também deve acabar com as cooperações militares ou de inteligência.
Parceria de conveniência
O gesto amistoso para com Israel deve ser visto dentro desse contexto, diz Sons, autor de um influente livro sobre o desenvolvimento político e social no reino saudita. Que a Arábia Saudita queira melhorar suas relações com Israel é elogiável, comenta o especialista. Porém, não se pode falar de um relacionamento mais profundo ou mesmo de uma parceria entre os dois países.
"Há simplesmente muitas diferenças ideológicas remanescentes. O rei saudita segue sendo o guardião dos dois locais sagrados Meca e Medina. Consequentemente, ele é responsável pela população árabe no mundo e, obviamente, também pelos palestinos. E é por isso que duvido que essa aliança de conveniência contra o Irã possa evoluir para uma parceria sustentável", explica Sons.
O príncipe herdeiro Bin Salman se mostra disposto a dar uma nova imagem ao seu país. Desde os ataques terroristas em Nova York e em Washington, em setembro de 2001, a Arábia Saudita tem sido globalmente considerada um reduto de um fundamentalismo religioso de ligações dúbias com o jihadismo.
Nova frente árabe contra o Irã?
A maioria dos terroristas dos atentados de 2001 era da Arábia Saudita. No final de março, um juiz distrital de Nova York permitiu a realização de ações nos EUA por parte de vítimas dos ataques do 11 de Setembro contra a Arábia Saudita. Desde sempre, Riad tentou que isso fosse evitado – não apenas por causa das possíveis consequências econômicas das sentenças, mas também por preocupação com a reputação do reino.
Portanto, não é coincidência que Bin Salman tenha emitido seu gesto conciliatório em direção a Israel justamente durante sua visita aos Estados Unidos, afirma Sons. A Arábia Saudita tem um interesse vital em continuar melhorando as relações com os EUA.
"É uma maneira de sinalizar à opinião pública americana o desejo de manter a cooperação estreia com os americanos e, portanto, também com os aliados dos norte-americanos, neste caso Israel", diz Sons.
O que não fica claro é até que ponto o gesto saudita afeta outros países árabes. Não parece improvável que a velha frente – a maioria dos Estados árabes é contra Israel – se reagrupe dentro de uma nova constelação, na qual a maioria dos Estados árabes estaria contra o Irã. Mas também pode ser que essa nova frente não seja uma substituição da velha frente, mas apenas um acréscimo a ela.
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