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Incêndio de Solingen: símbolo da xenofobia alemã no pós-guerra

Marcel Fürstenau (av)

29/05/2018 11h28

Em 29 de maio de 1993, radicais de direita incendiaram uma casa na cidade alemã, matando cinco jovens de origem turca. Especialistas veem paralelos entre clima explosivo da época e situação atual na Alemanha."Fora, estrangeiros!": no início dos anos 1990 essa palavra de ordem se transformou na trilha sonora de uma Alemanha em grande parte abertamente xenófoba. As causas para tal eram várias.

No Leste, território da antiga República Democrática Alemã (RDA), sob regime comunista, a economia planejada, antes controlada pelo Estado, entrara em colapso após a reunificação do país. Milhões ficaram desempregados ou se sentiam como cidadãos de segunda classe, por outros motivos. Para alguns, "os estrangeiros" vinham perfeitamente a calhar como bodes expiatórios.

Ataques de motivação racista não eram raros. Em 29 de maio de 1993, uma casa de enxaimel foi incendiada em Solingen, no estado da Renânia do Norte-Vestfália, no oeste do país. Cinco meninas e mulheres de origem turca morreram.

Saime Genç, de cinco anos, foi a vítima mais jovem; Gürsün ?nce, de 27 anos, a mais velha. Hatice Genç tinha 18, Gülüstan Öztürk, 12, e Hülya Genç, apenas nove anos de idade. A tragédia não fora nenhum acidente, mas sim obra de extremistas de direita, que haviam iniciado o incêndio protegidos pela escuridão da noite.

Fortalecimento da direita após reunificação

O atentado incendiário de Solingen ocorreu três dias após o Parlamento alemão ter restringido de forma rigorosa as leis migratórias. Para tal, a coalizão governamental formada pelos conservadores da União Democrata Cristã e Social Cristã (CDU/CSU) e o Partido Liberal Democrático (FDP) havia alterado a Constituição, com o apoio do oposicionista Partido Social Democrata (SPD).

Com base no Artigo 16 da Lei Fundamental, até então vigorava na Alemanha o direito irrestrito a refúgio. Ao aboli-lo, o governo federal reagia ao forte acréscimo do número de solicitantes de refúgio, desde o fim dos anos 80. Durante muito tempo a cifra permanecera bem abaixo dos 100 mil, porém em 1990 alcançava 200 mil, e dois anos depois mais do que duplicara, com 438.191 requerimentos.

Nessa época, partidos radicais de direita como Os Republicanos alcançavam numerosas vitórias eleitorais, também no Oeste do país. Em 1992 a legenda obteve seu melhor resultado, com quase 11% das urnas no estado de Baden-Württemberg, de economia tradicionalmente forte.

No Leste, só mais tarde os Republicanos conseguiram entrar para os parlamentos estaduais, da mesma forma que o neonazista Partido Nacional-Democrata da Alemanha (NPD).



Tragédia de um angolano

Anetta Kahane, diretora da antirracista Fundação Amadeu António, sediada em Berlim, vê paralelos entre as tendências explosivas de 25 anos atrás e a situação atual.

A questão de quantos refugiados podem vir para o país estaria subordinada a "se já não há presença estrangeira excessiva". Tal confusão e o fato de que estrangeiros e refugiados são percebidos como corpos estranhos "envenenou muito o clima".

Poucas semanas após a Reunificação alemã, essa tensão social também custou a vida ao angolano que dá o nome à fundação. Em novembro de 1990, em Eberswalde, nas cercanias da capital, Amadeu António foi espancado até a morte por um grupo de jovens radicais de direita armados de bastões de beisebol. Cinco dos agressores foram condenados a pena máxima de quatro anos de prisão, enquanto outros saíram em liberdade condicional.

Quatão migratória

Os juízes foram bem mais rigorosos depois do incêndio em Solingen. Rapidamente indiciados, os criminosos, de 16 a 23 anos de idade, foram condenados em 1995 a penas de dez a 15 anos de prisão, por cinco casos de homicídio e 14 tentativas, assim como por incêndio criminoso.

"Solingen vai ficar marcada nos livros de história como ápice da xenofobia na Alemanha do pós-guerra", comentou na época o advogado Rainer Brüssow, que representou a família Genç.

Kahane teria preferido se em 1993 os políticos alemães tivessem deixado intocadas as leis migratórias. Ela atribui aos responsáveis na época um padrão de conduta bem característico: "Se as pessoas reagem desse modo aos imigrantes, então é preciso cuidar para que não entrem tantos assim."

Tal teria sido, obviamente, "um sinal péssimo", também para o Oeste alemão. Pois, na verdade, até então a sociedade alemã vinha se arranjando com a imigração. No entanto, esse equilíbrio foi quebrado com a devastadora discussão sobre o endurecimento das leis migratórias, acusa a diretora da Fundação Amadeu António.

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