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Brasileiros recebem refugiados para jogo da seleção e tornam Copa ferramenta de integração

"Nós enxergamos no futebol uma ótima ?desculpa" para juntar pessoas", diz fundador da ONG Migraflix	 - DW/N. Pontes
"Nós enxergamos no futebol uma ótima ?desculpa' para juntar pessoas", diz fundador da ONG Migraflix Imagem: DW/N. Pontes

Nádia Pontes (de São Paulo)

18/06/2018 07h04

Com o objetivo de integrar recém-chegados ao país, ONG promove encontros interculturais em partidas do Brasil durante o Mundial. Na casa de anfitriões paulistanos, uma família síria entrou no clima verde e amarelo.

Cercada por desconhecidos vestidos de verde e amarelo, a síria Ghazl  Baranbo tentava acompanhar a partida entre Brasil e Suíça neste domingo (17/06). Era a primeira vez que assistia a um jogo da Copa do Mundo na casa de brasileiros, munidos de cornetas, perucas e chapéus.

Acompanhada pelo marido, Talal  Altinawi, e os três filhos, Ghazh dizia torcer pelo Brasil. Até desembarcar em São Paulo, em dezembro de 2013, a única referência que tinha do país era o futebol. Poucas informações chegavam à Síria, onde nasceu e de onde precisou partir dois anos depois do início da guerra civil.

Desde que eclodiu, em 2011, o conflito sírio deixou mais de 500 mil mortos e forçou 5,6 milhões de pessoas a deixarem o país, segundo informações das Nações Unidas.

"Nós buscávamos asilo, e o primeiro a abrir as portas foi o Brasil", contou Ghazl. A família pagou 20 dólares por cada visto, fez as malas, deixou dois apartamentos, familiares e uma vida confortável, partindo sem saber muito sobre o novo destino.

Passados mais de quatro anos, o casal já tem uma filha brasileira – a caçula nasceu em 2014. Mas a adaptação ainda exige esforço. "É muito difícil conseguir trabalhar e obter informações claras do governo brasileiro", afirmou Talal, que era engenheiro mecânico na Síria.

"Momentos como este são muito importantes", disse, apontando para a sala enfeitada com bandeirinhas e cheia de pessoas que acabara de conhecer. Entre um brigadeiro e outro, ele torcia pelo segundo gol do Brasil, empatado com a Suíça.

Laços duradouros

A anfitriã era a biomédica Lara Santi, de 29 anos. "Eu fiz trabalho humanitário desde a faculdade. E nós gostamos de receber as pessoas em casa", disse. Ela é voluntária numa organização internacional, na qual tem a missão de ajudar refugiados a contatarem familiares em seus países de origem.

Para receber Ghazl, Talal e os filhos, Lara se inscreveu no programa Meu Amigo Refugiado, da ONG Migraflix. Fundada em 2015, a organização trabalha para integrar os recém-chegados ao Brasil – social e economicamente.

"Nós enxergamos no futebol uma ótima ‘desculpa' para juntar pessoas e, o mais importante ajudar a criar vínculos", detalha o fundador Jonathan Berezovsky, que atua em parceria com o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (Acnur).

Até agora, 3.400 famílias de brasileiros se cadastraram no programa, que abrange 75 famílias de refugiados e imigrantes.

"É uma pessoa da ONG que analisa os perfis, faz o trabalho de encaixar as datas dos encontros e acompanha todo o processo. Ou seja, a logística é complexa e temos uma capacidade limitada", diz Jonathan.

No Brasil, um pouco mais de 10 mil migrantes de diferentes nacionalidades já foram reconhecidos como refugiados. Metade deles, no entanto, está com com registro inativo, o que pode ter sido provocado por obtenção da nacionalidade brasileira, mudança de país, óbito ou perda do direito segundo as regras do Conare, comitê do Ministério da Justiça que cuida do assunto.

Os sírios representam 35% da população de refugiados com registro ativo no Brasil, ou seja, dos que ainda residem no país. Por volta de 86 mil pedidos de refúgio ainda estão em tramitação.

À espera da normalidade

Talal diz que, por enquanto, é perigoso voltar para a Síria. Em 2012, ele foi preso pelo governo sírio, sem saber o motivo. Depois de três meses, foi libertado, sem receber qualquer explicação.

"Ouvi na prisão que alguém que tinha o nome igual ao meu era inimigo do governo. Mas, na Síria, para ser preso, não é preciso haver motivo. E resistir é pior", conta.

O casal mantém contato com familiares em Damasco. Além dos pais, uma irmã de Talal permanece na Síria – a mais velha mora nos Estados Unidos, e o irmão pediu asilo na Alemanha em 2015. Os seis irmãos de Ghazl nunca deixaram Damasco.

Em agosto, Talal fará uma prova para validar seu diploma no Brasil e, quem sabe, trabalhar como engenheiro novamente. Por enquanto, a culinária síria e o Uber garantem a renda da família. Na casa onde moram, cozinham para grupos que fazem reserva com antecedência, e servem convidados em festas e workshops.

"A vida no Brasil não é fácil, é muito cara. Até hoje, não consigo entender bem a vida aqui. Vejo que o próprio brasileiro quer ir embora", responde Talal sobre os anos como refugiado no país.

Ao fim da partida entre Brasil e Suíça, que terminou empatada, as famílias programaram um próximo encontro. Lara e o namorado, Guilherme, querem levar Riad, um dos filhos de Talal e Ghazl, para assistir a um jogo do Palmeiras no estádio.

"Eu não sei como, mas me acostumei ao Brasil. Acho que o futebol ajudou", explica o jovem sírio, que já se diz palmeirense.