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Análise: Depois da reeleição de Maduro, pouco se fala sobre a Venezuela

24.mai.2018 - O presidente venezuelano, Nicolas Maduro, faz juramento para seu segundo mandato  - Federico Parra/AFP
24.mai.2018 - O presidente venezuelano, Nicolas Maduro, faz juramento para seu segundo mandato Imagem: Federico Parra/AFP

Evan Romero-Castillo

05/07/2018 10h18

País é deixado de lado pela imprensa internacional após a eleição presidencial de 20 de maio. Para especialistas, divisão da oposição e eleições na Colômbia e no México contribuem para essa situação.

Na Venezuela não se passa um dia sem que a crise político-institucional se manifeste em todas as áreas da vida de seus habitantes. Neste mês foram registrados protestos pelas recorrentes interrupções no abastecimento de água, o virtual desaparecimento dos transportes públicos, a falta de medicamentos para tratar as pessoas que vivem com HIV e a pulverização dos salários dos profissionais de saúde, cujos vencimentos oscilam entre 0,27 e 0,54 centavo de dólar no mercado negro que surgiu devido às distorções criadas pelo sistema econômico revolucionário.

Nesta segunda-feira (02/07), enquanto médicos e enfermeiros tomavam as ruas para exigir melhores salários e a inflação subia a uma taxa diária de 2,4%, o governo abria uma semana de cerimônias para premiar com promoções os militares que haviam assinado um manifesto de lealdade ao homem forte de Caracas, Nicolás Maduro.

Não se pode dizer, portanto, que a Venezuela não criou notícias depois da eleição presidencial de 20 de maio. Mas é um fato que, desde então, a imprensa internacional passou a dar pouca atenção para o que se passa no país.

Eleições em outros países

O professor de relações internacionais Ivo Hernández, da Universidade de Münster, atribui essa falta de atenção a fatores externos e internos. As eleições presidenciais colombiana e mexicana tomaram o lugar da Venezuela na cobertura jornalística internacional porque era esperado que esses processos originassem mudanças geopolíticas significativas, também em relação à Venezuela, analisa o especialista. "O presidente eleito da Colômbia, Iván Duque, já está procurando maneiras de denunciar Maduro perante o Tribunal Penal Internacional", ressalta.

Por outro lado, a política externa do presidente eleito do México, Andrés Manuel López Obrador, desperta incertezas. "Não sabemos se ele vai apoiar moções do Grupo de Lima – integrado por Argentina, Brasil, Canadá, Chile, Colômbia, Costa Rica, Guatemala, Guiana, Honduras, México, Panamá, Paraguai, Peru e Santa Lúcia – para promover a restauração do Estado de Direito na Venezuela", acrescenta Hernández.

As duas eleições nacionais, aliadas a fenômenos locais, como as divergências entre os grupos que se opõem a Maduro, contribuíram para ofuscar a crise venezuelana. "A oposição está dividida em três grandes blocos. Um deles está muito desacreditado por ter aderido ao regime", afirma. "O outro bloco se opõe a Maduro frontalmente, articulando opiniões fortes nas redes sociais e tentando persuadir os governos democráticos do mundo de que a Venezuela precisa de ajuda internacional", ressalta Hernández. "E também há um grupo intermediário, cujos membros procuram negociar com um ou com o outro lado."

Oposição ficou enfraquecida

Para o sociólogo venezuelano Héctor Briceño, a falta de coordenação entre as forças oposicionistas e a decisão dos grandes partidos de boicotar as eleições de 20 de maio acabaram enfraquecendo ainda mais a oposição. "A estratégia abstencionista implementada por um segmento da oposição foi tacitamente legitimada pela comunidade internacional democrática, mas acabou virando um problema maior para a oposição do que para o governo", avalia.

"Agora ela não pode nem mesmo convocar uma simples manifestação de rua ou definir quem são seus porta-vozes", diz. "Até certo ponto, a ausência de informação sobre a Venezuela, nas últimas semanas, se deve ao fato de os Estados democráticos e os organismos multilaterais não saberem quem são os porta-vozes da oposição. Com quem falar?", argumenta Briceño.

Para o especialista, a elite chavista saiu ainda mais fortalecida da última eleição. "E ultimamente, é Maduro quem faz mais barulho na mídia e se apresenta como um líder preocupado com o bem-estar de seus compatriotas", ressalta Briceño. Na opinião dele, o desafio atual da oposição é se reorganizar. "A própria natureza dos partidos políticos venezuelanos deve mudar e se ajustar às novas circunstâncias. O problema é que essa adaptação leva anos."