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Salto do século completa 50 anos

Tobias Oelmaier (rk)

18/10/2018 09h56

Marca de 8,90 metros alcançada por Bob Beamon nos Jogos Olímpicos da Cidade do México é considerada um dos cinco maiores momentos do esporte do século 20. Americano foi detentor do recorde mundial por mais de 20 anos.As condições eram ideais naquele dia de outubro na Cidade do México. O tempo estava ensolarado e seco, e uma leve brisa soprava pelo estádio olímpico. A maioria dos atletas estava encantada com a nova pista de atletismo de tartan. Sobre o material sintético, os atletas não escorregavam mais na saída, como costumava acontecer com a pista de terra batida. Os pregos das sapatilhas eram mais curtos e não afundavam tanto na tábua de impulsão colocada no início da caixa de areia para dentro da qual os atletas saltam.

O ar rarefeito da capital mexicana, 2.240 metros acima do nível do mar, também contribuiu. Enquanto os atletas de resistência sofriam com a falta de ar, a baixa pressão parcial de oxigênio não era problema para os seis segundos que os saltadores levavam para dar cerca de 19 passos na pista de aproximação até o fim do salto. Pelo contrário: a baixa resistência do ar também pode ter tido efeito positivo sobre o ritmo da disparada.

Mas de que adiantam condições externas ideais sem um atleta ideal num dia ideal? O americano Bob Beamon teve o seu grande dia em 18 de outubro de 1968, na final olímpica, exatamente às 15h40 – e já na primeira tentativa.

Foi uma corrida de impulso forte, mas ao mesmo tempo elegante, com um salto veloz e vigoroso que o catapultou à altura das cabeças dos juízes em volta e terminou numa aterrissagem um pouco desajeitada.

"Caí na beira da caixa e, num primeiro momento, fiquei decepcionado, porque raspei meu traseiro na areia", lembrou Beamon, anos depois. "Não foi um salto perfeito."

Os 65 mil espectadores presentes discordaram de Beamon. No momento do salto, um burburinho de incredulidade tomou conta do público, que teve que esperar durante vinte minutos para que a distância fosse anunciada no painel.

"Primeiro, houve uma pausa", contou o então vencedor da medalha de prata para a antiga República Democrática Alemã (RDA), o berlinense Klaus Beer, em entrevista recente ao jornal Welt am Sonntag.

Não era de se admirar. O equipamento eletrônico media apenas até 8,60 metros, e os árbitros tiveram que procurar uma trena metálica para medir manualmente a distância. O resultado foram 8,90 metros. Beamon tinha melhorado o recorde mundial em 55 centímetros.

Com 22 anos na época, Beamon não entendeu o que tinha feito naquele momento: "Só quando Ralph Boston [colega de equipe que até então detinha o recorde mundial, de 8,35 metros] me falou que saltei mais de 29 pés, eu entrei em colapso", disse o ex-atleta nova-iorquino ao Welt am Sonntag, meio século depois do feito.

"Eu não queria acreditar, pensei que fosse um sonho e que eu estivesse num mundo surreal", descreveu. Mas o painel eletrônico não deixou dúvidas: mostrou o número de Bob, 254, e a distância de 8,90 metros. Para a renomada revista americana Sports Illustrated, este foi um dos cinco maiores momentos do esporte do século 20.

O peso do recorde

"Foi uma experiência incrível", disse o concorrente Klaus Beer, que não fez feio com um salto de 8,19 metros. Mas ele precisou deixar os holofotes para o americano, que deu pulos de alegria por todo o estádio depois da divulgação de seu desempenho.

Após o feito de Beamon, Jesse Owens – que conquistou o título de tetracampeão olímpico em 1936, durante os memoráveis Jogos Olímpicos de Berlim, e recordista do salto em distância entre 1935 e 1960, com 8,13 metros – rapidamente cunhou a expressão "salto para o próximo século".

Nos rankings mundiais, entretanto, tal previsão não se concretizou por completo: no campeonato mundial de atletismo de 1991, em Tóquio, o conterrâneo de Beamon, Mike Powell, saltou cinco centímetros mais longe. Algo que pode ser encarado como uma espécie de redenção, já que, apenas dois anos depois do recorde, Beamon, um órfão do Queens que tinha formação de alfaiate, descreveu o peso que carregava nos ombros: "É como se eu não conseguisse mais respirar. Esse recorde acaba comigo."

Em 1968, Owens já havia previsto esse cenário: "É preciso ter grande capacidade de resistência moral para aguentar um recorde desse tipo. As pessoas querem ver superação."

Três números bastam

Beamon precisou de muito tempo para aprender a lidar com sua popularidade. Depois de deixar as pistas, atuou por algum tempo como jogador de basquete, primeiro pelos Phoenix Suns, da NBA, e depois pelos Harlem Globetrotters.

Ele se formou em Psicologia, tentou voltar às pistas de atletismo no início dos anos 1970 – sem sucesso – e atuou como assistente social, diretor de uma rede de discotecas e de centros de treinamento para atletas.

Após muitos altos e baixos, voltou ao esporte de alto desempenho em 2004, como consultor da equipe olímpica dos Estados Unidos. Mas também esse trabalho durou pouco. Beamon passou, então, a trabalhar como artista e gerente do museu "Art of the Olympians" (arte dos atletas olímpicos, em tradução livre) em Fort Myers, na Flórida.

Na esfera privada, Beamon também não teve uma trajetória de continuidade. Casou-se quatro vezes e desenvolveu diabetes, apesar de seu estilo de vida que ele mesmo descreve como ativo. É o duro destino de um homem para o qual a sorte parece ter caído do céu há meio século, na Cidade do México.

Até hoje, o recorde de Beamon é lembrado por muitos com admiração. Às vezes, bastam três algarismos e uma vírgula no meio deles, "8,90", e todos sabem de quem se trata.

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