O que cidades da Colômbia e dos EUA podem ensinar no combate ao crime
A cidade colombiana de Medellín, famosa por ter sido reduto do narcotraficante Pablo Escobar, foi considerada a mais violenta do mundo nos anos 1990, com um índice anual de homicídios que chegou a 381 por 100 mil habitantes. Em 2002, esse indicador foi a 168,6, e em 2017, despencou para 22,9 – ou seja, em 15 anos, houve uma redução de 86% na taxa de mortes intencionais.
Embora sua situação seja menos alarmante, Nova York também presenciou uma queda histórica de seus índices de violência recentemente. A cifra de 30,7 homicídios por 100 mil pessoas registrada na década de 1990 caiu para 3,4 em 2017. Isso significa que 290 pessoas foram assassinadas na cidade mais populosa dos Estados Unidos em todo o ano passado – o número mais baixo desde que esses dados começaram a ser coletados, nos anos 1950.
A título de comparação, a capital brasileira com maior proporção de homicídios, Rio Branco (AC), teve uma taxa de 83,7 mortes violentas intencionais por 100 mil habitantes em 2017. No Rio de Janeiro, cuja segurança é alvo de uma intervenção federal, esse mesmo índice foi de 32,7, ficando pouco acima da média do Brasil, que foi de 30,8 no ano passado.
Especialistas são unânimes ao dizer que não há uma fórmula perfeita para o combate à criminalidade. Contudo, as experiências em Medellín e em Nova York trouxeram à tona uma série de fatores que podem influenciar de forma positiva as probabilidades de sucesso e servir de exemplo para outras cidades que ainda penam para vencer a violência, como as brasileiras.
Focar municípios e seus problemas específicos pode ser um bom começo. "Tudo o que estudamos sobre a segurança pública mostra que ela é localizada territorialmente. Portanto, para superar o processo, as políticas exigem necessariamente uma focalização", explica a pesquisadora Melina Risso, autora do livro Segurança pública para virar o jogo, lançado neste ano.
As cidades se colocam como locais estratégicos para a reprodução de experiências bem-sucedidas principalmente porque as prefeituras têm contato mais direto com a população e estão mais próximas da realidade daquela localidade, o que contribui para que os recursos em segurança sejam alocados de forma mais eficiente.
"É muito positivo o papel das prefeituras no processo de coordenação e definição de onde os crimes estão localizados", afirma Risso, que é membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Em Medellín e outras cidades colombianas, por exemplo, especialistas apontam que a luta contra o crime trouxe bons resultados devido ao alto grau de liderança e coerência de seus governos municipais, impulsionado pelas reformas constitucionais de 1991 na Colômbia que redefiniram o papel dos prefeitos, permitindo que eles tivessem um papel-chave no combate à violência.
As prefeituras ganharam a responsabilidade de monitorar e orientar as atividades da polícia e passaram a repensar políticas e programas de segurança pública. Segundo um relatório do Instituto Igarapé, a Colômbia foi o primeiro país na América Latina e Caribe a introduzir novas formas de conter, prevenir e reduzir a violência, tornando-se uma importante referência nessa área.
O país foi tomado por uma guerra civil nos anos 1940 e 1950 e, nas décadas seguintes, foi alvo de um conflito armado entre grupos guerrilheiros de esquerda – entre eles as Farc –, paramilitares de direita e forças militares e policiais. O conflito se agravou com o tráfico de drogas e a ascensão de cartéis poderosos e violentos, entre eles o cartel de Medellín, de Pablo Escobar, exigindo uma ação das autoridades.
Polícia mais humana e menos corrupta
A Colômbia passou por um processo muito importante de modernização da polícia, aponta a pesquisadora colombiana em violência Katherine Aguirre Tobón, membro do Instituto Igarapé.
Uma das primeiras reformas foi o combate interno à corrupção. Ações de transparência e de tolerância zero com agentes corruptos levaram à demissão, em 1994, de mais de 7 mil policiais envolvidos em casos de corrupção e abuso de poder.
"É preciso criar mecanismos para expulsar rapidamente policiais que têm manchado a honra e o trabalho da corporação e que impedem a segurança pública de avançar. Se não há segurança sem polícia, com polícia corrupta também não há", afirma Risso. "Precisamos de uma força íntegra, senão a sociedade fica absolutamente desolada, sem ter a quem recorrer."
Outra renovação na polícia envolveu a forma de os agentes interagirem com a população. O chamado policiamento comunitário buscou estreitar o relacionamento entre policiais e moradores – especialmente em bairros com alta criminalidade – e restaurar a confiança da população nesses oficiais, melhorando assim a cooperação na resolução e prevenção de crimes.
"Os policiais passaram a atuar em comunidades muito menores, conhecendo muito sobre a situação da cidade, e a ter uma relação muito mais direta com os cidadãos", destaca Tobón. Em bairros de cidades como Bogotá, Medellín e Cali, os policiais passaram a fazer patrulhamento a pé.
Para Risso, "a aproximação entre polícia e sociedade é a única forma de mudar a qualidade da segurança pública no Brasil". "Temos uma polícia que é a que mais mata e a que mais morre. É uma guerra sem vencedores, e temos que inverter essa lógica."
A mesma estratégia de policiamento comunitário foi adotada em Nova York, cidade de mais de 8 milhões de habitantes que reformulou suas políticas de segurança para combater seus índices de homicídios, tiroteios e assaltos – altos em comparação com outras cidades americanas.
Ali a polícia está usando cada vez menos força letal: em 2017, não chegou a 30 o número de vezes em que policiais dispararam suas armas de fogo intencionalmente. Na cidade do Rio, por exemplo, só as mortes cometidas por policiais civis ou militares chegaram a 527 no ano passado.
"O certo é usar a inteligência e não a força, a força é o último recurso", concorda Rafael Alcadipani da Silveira, professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. "É importante estabelecer uma relação melhor entre polícia e comunidade, em que a população respeite o policial, e o policial não veja que matar é a solução."
Focar prioridades
Autoridades de Nova York atribuem as recentes quedas da violência não só às ações de restauração das relações de confiança entre polícia e comunidade, mas também à estratégia da corporação de concentrar suas atividades em crimes específicos e em grupos de pessoas – a maioria gangues e reincidentes – que se acredita serem responsáveis pela maior parte dos delitos.
Segundo um documento elaborado em conjunto por três organizações que estudam violência no Brasil – o Fórum Brasileiro de Segurança Pública e os institutos Igarapé e Sou da Paz –, o país tem duas prioridades: reduzir crimes violentos e desestruturar organizações criminosas.
Em 2017, o Brasil registrou mais de 63 mil mortes violentas intencionais. Nos Estados Unidos, por exemplo, cuja população é quase o dobro da brasileira, foram 17,3 mil assassinatos.
A essa lista de prioridades brasileiras, Risso adiciona um outro crime que, segundo ela, preocupa diariamente os cidadãos e no qual as autoridades têm investido pouco: o assalto à mão armada. No Brasil, 2.460 pessoas morreram vítimas de latrocínio em 2017.
"Essa figura da arma na cabeça para roubar um celular na rua é muito típica do Brasil. Não é tão comum em outros países", afirma. "Portanto, isso tem que ser sim uma prioridade, porque mexe diretamente com a sensação de segurança das pessoas. Andar com medo na rua contraria a própria essência da liberdade – algo que infelizmente não temos no Brasil."
Novas tecnologias e controle de armas
Em cidades americanas, a adoção de novas tecnologias foi essencial para o bom funcionamento da estratégia de concentrar a ação dos policiais. Um exemplo é o CompStat, um sistema computadorizado de análise de dados criminais desenvolvido em 1994 pela polícia de Nova York e que desde então foi replicado em outras cidades do país.
O CompStat fornece informações de onde os policiais estão posicionados, onde os crimes são cometidos e o efeito da localização dos agentes nesses crimes, permitindo às autoridades identificar tendências de criminalidade e posicionar os policiais de forma inteligente em locais problemáticos.
Chicago – que sofre principalmente com a violência armada – é outra cidade americana que deve a redução recente de seus índices criminais a uma modernização tecnológica. Quando uma arma de fogo é disparada ali, a polícia é alertada dentro de aproximadamente 30 segundos graças ao ShotSpotter, um sistema que detecta tiros por meio de sensores.
A cidade, a terceira maior dos Estados Unidos, apostou ainda na instalação extensiva de câmeras nas ruas. As imagens – bem como os dados fornecidos pelo ShotSpotter – são monitoradas nos chamados Centros de Apoio à Decisão Estratégica, instalados primeiramente em bairros com altas taxas de violência, como Englewood, onde a incidência de crimes caiu 43% em 2017.
A segurança pública no Brasil, por outro lado, ainda engatinha em termos de tecnologia. Uma das demandas tecnológicas de estudiosos em segurança pública é a implantação de chips em armas de fogo e munição, a fim de melhorar seu rastreamento e frear o comércio ilegal. "Ainda usamos arma com marcação mecânica, que é muito fácil de raspar, e não a chipagem eletrônica", diz Risso.
O controle de armas de fogo é considerado essencial pelos especialistas para o combate ao crime. O presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) pretende de flexibilizar as regras para porte de armas e revogar o Estatuto do Desarmamento – um conjunto de leis sancionado em 2003 pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que, segundo o Mapa da Violência, foi responsável por salvar mais de 160 mil vidas até 2015.
Risso frisa que frisa que, independentemente de liberar ou proibir o armamento, é urgente a criação de uma política eficiente de controle das armas. "Quem tem arma, onde está essa arma, registrá-la a cada ano. Fazemos isso com automóvel, por que não fazemos com armas?"
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, das quase 120 mil armas de fogo apreendidas pelas autoridades em 2017, 94,9% não foram cadastradas no sistema da Polícia Federal.
Prevenção
Para estudiosos em vez de apenas repreender o crime, é preciso prevenir a sua ocorrência. Ciudad Juárez, no México, é um exemplo latino-americano de combate ao crime com seu programa multissetorial "Todos somos Juárez", que, em vez de buscar garantir apenas o cumprimento rígido da lei, investiu em fatores de risco social e econômico associados à criminalidade.
Dos 400 milhões de dólares anuais investidos no programa, 74% foram destinados à saúde, educação e cultura. Escolas e uma universidade foram criadas em locais deficitários em educação, na tentativa de reverter o mau desempenho e a evasão escolar, e diversos parques e quadras de esporte foram construídos em regiões de baixa renda.
A cidade mexicana, eleita a mais violenta do mundo em 2010, viu seus índices de homicídio caírem mais de 90% nos últimos 15 anos – hoje, ela não figura nem entre as 50 mais perigosas.
O benefício desse tipo de ação foi também cientificamente comprovado. Um estudo realizado na Universidade de São Paulo (USP) mostrou que a cada 1% de investimento público em educação realizado numa determinada localidade, 0,1% do índice de criminalidade é reduzido.
Segundo a economista Kalinca Becker, autora do estudo, dois pontos-chave podem explicar essa relação. "Primeiramente, na escola as crianças aprendem noções de convivência, civilidade, ética e respeito ao próximo que contribuem para diminuir o comportamento violento. O segundo ponto é que, com mais estudo e qualificação, o indivíduo tem mais chance de ingressar no mercado de trabalho e, consequentemente, menos chance de entrar para o crime por questão financeira."
A pesquisadora aponta, contudo, que construir instituições de ensino não basta para se conquistar esse efeito. "É preciso garantir que essa escola e seu entorno sejam um ambiente de convivência saudável, não deixando que o crime influencie o ambiente escolar e seus alunos", afirma Becker, que é professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM).
"É muito importante desenvolver intervenções específicas de prevenção da violência. Não só intervir em toda uma cidade e construir uma escola, mas fazer um diagnóstico completo para mirar quais são as pessoas e zonas em risco. Focar em intervenções preventivas é um setor que as cidades da Colômbia também estão avançando de maneira muito importante", diz a colombiana Tobón.
Cooperação entre Poderes
Segundo especialistas em segurança, no entanto, todas as ações e políticas de combate ao crime mencionadas acima têm pouca chance de sucesso se não houver, ao mesmo tempo, uma coordenação efetiva entre os diferentes Poderes e autoridades, além do apoio da própria sociedade civil.
Em Ciudad Juárez, por exemplo, a iniciativa "Todos somos Juárez" contou com uma ampla cooperação entre o governo municipal, estadual e federal, bem como com a participação da população, que ficou responsável por monitorar e implementar o programa de combate ao crime por meio de conselhos formados com esse objetivo.
"No Brasil essa falta de cooperação é um problema gravíssimo. Os sistemas não dialogam, e as polícias mal se conversam internamente. O Judiciário, a Polícia e o Ministério Público não têm uma boa relação. Cada um cuida do seu, e não há uma visão sistêmica sobre o problema", afirma Silveira. "Somente quando esses atores se articulam, trocam informações e estabelecem uma relação de confiança mútua, a gente consegue combater o crime de forma efetiva."
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