Governo Bolsonaro luta para mostrar sintonia
Primeira semana dá sinais de falta de coordenação e de um programa claro no gabinete, enquanto presidente, ainda em tom de campanha, atua para aparar arestas. Comunidade internacional olha com desconfiança.A partir de agora, as meninas vestem rosa, os meninos, azul, disse a nova ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves. E o Brasil vai ser finalmente libertado do socialismo, prometeu o presidente Jair Bolsonaro. Em sua primeira semana, o novo governo brasileiro promoveu, acima de tudo, muita polêmica, deixando observadores e as mídias nacional e internacional apreensivos.
"É evidente que existem polêmicas, e tem muito espaço na mídia para isso. Mas por enquanto isso não tem grande influência dentro do governo Bolsonaro, pois o tom será dado na economia e na área política", diz o cientista político Ricardo Ismael, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).
"Tivemos uma semana de muita falação, de muita conversa e de poucas medidas de natureza prática", opina o também cientista político Marco Aurélio Nogueira. "Uma primeira semana que mostra uma grande dificuldade de o governo de estabelecer um rumo claro de atuação."
Até meados de 2018, diz o cientista político, nem mesmo o próprio Bolsonaro contava com a vitória nas eleições: "O grupo que dá sustentação [ao governo] é um grupo ainda meio virgem. Uma semana ainda é um tempo curto."
Mas isso não é desculpa para a continuação dos ataques – tão bem-sucedidos na campanha eleitoral – aos adversários políticos, avalia o especialista. "Ao mesmo tempo, o governo não pode fingir que está governando. E não pode ficar em campanha."
Até porque a comunidade internacional olha com desconfiança para o país. Ao lado da possibilidade de os Estados Unidos montarem uma base militar no Brasil, está prevista, sobretudo, a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém.
"Um verdadeiro desastre", opina Nogueira, apontando que até mesmo a ditadura militar (1964-85) manteve uma política externa o mais neutra possível. "É apenas discurso, mas é uma bobagem que sinaliza uma guinada na política externa brasileira que é muito ruim para o país."
Especialmente preocupantes são as declarações do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, contrário à política multilateral e fã declarado do presidente americano, Donald Trump. Enquanto entre os adeptos de Bolsonaro no Brasil ele marca pontos, observadores estrangeiros estão incrédulos.
"Agora, pela primeira vez em muitos anos, a política externa ficou inteiramente capturada pela política interna. Para a afirmação do Estado brasileiro no mundo, é uma tragédia", considera Nogueira.
Também a retirada da alçada da Funai das decisões sobre a demarcação de terras indígenas despertou apreensão internacional. A partir de agora, o responsável pela questão passa a ser o Ministério da Agricultura, dominado pelo lobby ruralista, o que gera temores em relação ao futuro da Floresta Amazônica.
"É claro que enfraquece a Funai", reconhece Ismael. "Mas isso não significa que a população indígena ou as terras indígenas vão ser entregues ao agronegócio. Ainda é precoce tirar qualquer conclusão."
Reina também incerteza em torno da urgentemente necessária reforma da Previdência. De fato, Bolsonaro defendeu na primeira semana do ano a idade mínima de 57 anos para mulheres e 62 anos para homens. Mas possivelmente isso não passou de um balão de ensaio para o presidente testar as reações, supõe Nogueira.
Segundo Ismael, da PUC-RJ, Bolsonaro tem duas tarefas-chave a cumprir: aquecer logo a economia e assegurar o apoio do Congresso. "O discurso de posse do ministro da Economia, Paulo Guedes, foi muito bem recebido pelos mercados, a bolsa subiu e o dólar caiu", observa.
Ao mesmo tempo, o partido de Bolsonaro foi inteligente em confirmar apoio ao atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na reeleição em fevereiro, evitando, assim, uma possível derrota de sua base parlamentar, diz o cientista político. "Nessas duas áreas, na economia e na política, as notícias foram positivas."
Na opinião do cientista político, é até mesmo do interesse de Bolsonaro que em outros setores dominem as polêmicas de grande efeito midiático. Como sabe ter a imprensa contra si, ele precisa seguir apostando no confronto ideológico nas redes sociais, a fim de aumentar a pressão sobre seus adversários políticos. "Ele tem de manter acesa essa mobilização, e para isso precisa dessas palavras de ordem que sua base social conhece."
Nogueira questiona se a atividade governamental normal será viável em tal clima de polarização. "A única coisa clara que o governo manifestou foi a sua confusão. A falta de um programa claro, a falta de coordenação dentro do governo. Quem vai coordenar, quem serão as vozes autorizadas, e quem vai funcionar como elemento de moderação?", diz. "Nem Bolsonaro consegue se comportar como presidente, deixando dúvidas sobre a linha que o governo vai seguir."
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"É evidente que existem polêmicas, e tem muito espaço na mídia para isso. Mas por enquanto isso não tem grande influência dentro do governo Bolsonaro, pois o tom será dado na economia e na área política", diz o cientista político Ricardo Ismael, da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ).
"Tivemos uma semana de muita falação, de muita conversa e de poucas medidas de natureza prática", opina o também cientista político Marco Aurélio Nogueira. "Uma primeira semana que mostra uma grande dificuldade de o governo de estabelecer um rumo claro de atuação."
Até meados de 2018, diz o cientista político, nem mesmo o próprio Bolsonaro contava com a vitória nas eleições: "O grupo que dá sustentação [ao governo] é um grupo ainda meio virgem. Uma semana ainda é um tempo curto."
Mas isso não é desculpa para a continuação dos ataques – tão bem-sucedidos na campanha eleitoral – aos adversários políticos, avalia o especialista. "Ao mesmo tempo, o governo não pode fingir que está governando. E não pode ficar em campanha."
Até porque a comunidade internacional olha com desconfiança para o país. Ao lado da possibilidade de os Estados Unidos montarem uma base militar no Brasil, está prevista, sobretudo, a transferência da embaixada brasileira para Jerusalém.
"Um verdadeiro desastre", opina Nogueira, apontando que até mesmo a ditadura militar (1964-85) manteve uma política externa o mais neutra possível. "É apenas discurso, mas é uma bobagem que sinaliza uma guinada na política externa brasileira que é muito ruim para o país."
Especialmente preocupantes são as declarações do ministro das Relações Exteriores, Ernesto Araújo, contrário à política multilateral e fã declarado do presidente americano, Donald Trump. Enquanto entre os adeptos de Bolsonaro no Brasil ele marca pontos, observadores estrangeiros estão incrédulos.
"Agora, pela primeira vez em muitos anos, a política externa ficou inteiramente capturada pela política interna. Para a afirmação do Estado brasileiro no mundo, é uma tragédia", considera Nogueira.
Também a retirada da alçada da Funai das decisões sobre a demarcação de terras indígenas despertou apreensão internacional. A partir de agora, o responsável pela questão passa a ser o Ministério da Agricultura, dominado pelo lobby ruralista, o que gera temores em relação ao futuro da Floresta Amazônica.
"É claro que enfraquece a Funai", reconhece Ismael. "Mas isso não significa que a população indígena ou as terras indígenas vão ser entregues ao agronegócio. Ainda é precoce tirar qualquer conclusão."
Reina também incerteza em torno da urgentemente necessária reforma da Previdência. De fato, Bolsonaro defendeu na primeira semana do ano a idade mínima de 57 anos para mulheres e 62 anos para homens. Mas possivelmente isso não passou de um balão de ensaio para o presidente testar as reações, supõe Nogueira.
Segundo Ismael, da PUC-RJ, Bolsonaro tem duas tarefas-chave a cumprir: aquecer logo a economia e assegurar o apoio do Congresso. "O discurso de posse do ministro da Economia, Paulo Guedes, foi muito bem recebido pelos mercados, a bolsa subiu e o dólar caiu", observa.
Ao mesmo tempo, o partido de Bolsonaro foi inteligente em confirmar apoio ao atual presidente da Câmara, Rodrigo Maia, na reeleição em fevereiro, evitando, assim, uma possível derrota de sua base parlamentar, diz o cientista político. "Nessas duas áreas, na economia e na política, as notícias foram positivas."
Na opinião do cientista político, é até mesmo do interesse de Bolsonaro que em outros setores dominem as polêmicas de grande efeito midiático. Como sabe ter a imprensa contra si, ele precisa seguir apostando no confronto ideológico nas redes sociais, a fim de aumentar a pressão sobre seus adversários políticos. "Ele tem de manter acesa essa mobilização, e para isso precisa dessas palavras de ordem que sua base social conhece."
Nogueira questiona se a atividade governamental normal será viável em tal clima de polarização. "A única coisa clara que o governo manifestou foi a sua confusão. A falta de um programa claro, a falta de coordenação dentro do governo. Quem vai coordenar, quem serão as vozes autorizadas, e quem vai funcionar como elemento de moderação?", diz. "Nem Bolsonaro consegue se comportar como presidente, deixando dúvidas sobre a linha que o governo vai seguir."
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