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O Bayern Munique e seu presidente judeu

Gerd Wenzel

29/01/2019 11h45

Difícil imaginar onde o mais poderoso clube alemão estaria hoje sem Kurt Landauer. O bancário judeu que sobreviveu à Primeira Guerra e ao campo de concentração ajudou a moldar a vitoriosa história do time de Munique."O Bayern era a sua vida – nada e ninguém foi capaz de mudar isto". Em setembro de 2009 as torcidas organizadas Schikeria e Club Nr. 12 do Bayern Munique estenderam uma faixa gigante nas arquibancadas da Allianz Arena com estes dizeres. Era uma homenagem ao seu lendário presidente judeu Kurt Landauer, que, com algumas interrupções, influenciou os destinos do clube bávaro por mais de quatro décadas.

O banner e a impressionante coreografia da torcida acabaram dando origem à ideia de se produzir um filme sobre o dirigente. O canal ARD encampou o projeto e, em 2014, 130 anos depois do seu nascimento, o filme Landauer – o homem que inventou o Bayern Munique estreava na televisão.

Ainda adolescente, Landauer se apaixonou pelo futebol e pelo Bayern Munique. No começo do século passado, jogar futebol era considerado "coisa de pobre". Mas o jovem Kurt não estava nem aí e, aos 17 anos, vestiu pela primeira vez a camisa do seu clube. Jogava no gol, mas logo percebeu que não levava muito jeito.

Passou então a exercer funções administrativas, já que possuía uma formação profissional como bancário. Em 1913, aos 29 anos, acabou se tornando presidente do Bayern, mas por pouco tempo.

Em 1914 estourava a Primeira Guerra Mundial, e ele foi para a frente de batalha, assim como outros tantos milhares de judeus alemães. Na sua volta, em 1919, foi eleito novamente presidente do clube.

Os 14 anos subsequentes iriam representar a primeira época de ouro do Bayern. Visionário, Landauer criou um departamento para descobrir e incentivar jovens talentos. Naqueles tempos, mais de 500 jovens treinavam e jogavam regularmente nas mais diversas categorias do clube.

Os frutos deste trabalho não demoraram a chegar. Em 1926 e 1928 o Bayern foi campeão do Sul da Alemanha e chegou à final do campeonato alemão em três oportunidades (1926, 1928 e 1929).

O auge foi em 1932, quando os bávaros conquistaram pela primeira vez na sua história o título de campeão alemão ao derrotar o Eintracht Frankfurt por 2 a 0. Kurt Landauer estava feliz porque viu seus esforços serem coroados de pleno êxito.

Sua felicidade, porém, iria durar pouco. Um ano depois, os nazistas, com Adolf Hitler à frente, assumiram o poder. Com a instauração da ditadura, veio a nazificação que impregnou todas as esferas da sociedade alemã, inclusive o esporte e, especificamente, os clubes de futebol.

Landauer foi obrigado a se demitir do cargo de presidente do Bayern. Em 1938 foi preso e levado para o campo de concentração de Dachau, onde ficou por dois meses. Após sua temporária liberação pelas autoridades nazistas, conseguiu fugir para a Suíça. Suas três irmãs foram assassinadas.

Voltou à Alemanha tão somente em 1947, onde novamente assumiu a presidência do Bayern, exercendo o cargo até 1951.

Naquela época, os aliados estavam empenhados em desnazificar as instituições alemãs, inclusive os clubes de futebol. Havia razões suficientes para tanto: o papel dos clubes de futebol durante a ditadura nazista foi nefasto. Todos os clubes passaram por auditorias para determinar o seu papel, a serviço ou não, do regime nazista. A própria Federação Alemã de Futebol foi um instrumento dócil e se deixou manipular pela máquina de propaganda ideológica montada por Hitler, Goebbels e asseclas.

Um dos primeiros clubes a voltar a funcionar normalmente foi justamente o Bayern Munique, que, além de ter tido um presidente judeu de 1919 a 1933, não se submeteu à "nazificação" dos seus quadros e resistiu o quanto pôde até 1943.

Na sua gestão de 1947 a 1951, a prioridade de Landauer na presidência foi colocar o clube esportiva e administrativamente nos eixos. Para tanto, apesar de forte oposição, conseguiu convencer os associados do clube a adquirir um terreno de 80 mil metros quadrados onde até hoje se ergue a sede do Bayern Munique, na Säbener Strasse nº 51. Era um visionário!

Um visionário e um cosmopolita que, durante as décadas subsequentes à sua morte, em 1961, foi passando para o esquecimento, relegado aos arquivos mortos da história. O próprio atual diretor executivo, Karl-Heinz Rummenigge, disse recentemente que em seus primeiros dez anos no Bayern, de 1974 a 1984, jamais tinha ouvido falar de Kurt Landauer.

Foi por iniciativa das torcidas organizadas ‘Schikeria' e ‘Club Nr. 12' que, em 2009 por ocasião do jubileu de 125 anos do nascimento de Landauer, toda sua extraordinária trajetória veio finalmente à tona. A exibição de um banner gigante homenageando o ex-presidente deixou sua marca.

Simon Müller, membro ativo da ‘Schikeria', afirma: "A perseguição pelos nazistas de Kurt Landauer é para nós uma motivação adicional para nos engajarmos na luta contra nazismo, fascismo e racismo". Por ocasião do jubileu de 75 anos da "Noite dos Cristais" (progrom contra judeus executado por forças paramilitares e milícias nazistas) a torcida ergueu outro banner enorme: "Nada e ninguém será esquecido".

Durante muitos anos os cartolas do Bayern Munique mantiveram silêncio sobre a história do seu clube. Graças, porém, ao resgate desta história pela torcida organizada, o principal cartola do Bayern, Rummenige, veio a público para declarar em alto e bom som: "O Bayern Munique tem um passado judeu. Nos orgulhamos deste nosso passado e juntamente com nossos amigos judeus teremos também um futuro do qual possamos nos orgulhar".

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Gerd Wenzel começou no jornalismo esportivo em 1991 na TV Cultura de São Paulo, quando pela primeira vez foi exibida a Bundesliga no Brasil. Desde 2002, atua nos canais ESPN como especialista em futebol alemão. Semanalmente, às quintas, produz o Podcast "Bundesliga no Ar". A coluna Halbzeit sai às terças. Siga-o no Twitter, Facebook e no site Bundesliga.com.br

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