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Retorno de jihadistas do EI é dilema para Alemanha

Matthias von Hein (av)

25/02/2019 10h36

Destino dos alemães radicalizados que foram lutar na Síria é incerto: seu país de origem não os quer, e princípios legais e humanitários impedem retirada de cidadania ou entrega a autoridades do Oriente Médio.Mais de 60 adultos e 40 menores de nacionalidade alemã, adeptos do grupo jihadista "Estado Islâmico" (EI), estão detidos em acampamentos da milícia curda Unidades de Proteção Popular (YPG), no norte da Síria, segundo relatos na imprensa. Possivelmente esse número crescerá quando chegarem ao fim os combates pelo último reduto dos terroristas islâmicos em Baghuz, na margem do rio Eufrates.

A Alemanha discute o destino desses integrantes do EI. Eles não podem permanecer indefinidamente nos acampamentos das YPG, e em sua terra natal ninguém quer recebê-los. Muito menos num ano em que se realizam no país quatro eleições estaduais e uma para o Parlamento Europeu. Como o tema segurança está bem presente na cabeça dos eleitores, os ocupantes de cargos governamentais têm pouco a ganhar e muito a perder com ações de repatriamento de jihadistas.



Uma consideração recorrente no debate é levar os jihadistas ao Tribunal Penal Internacional (TPI) de Haia. Os curdos propõem o estabelecimento de tribunais extraordinários das Nações Unidas no norte da Síria. Nikolaos Gazeas, docente de direito penal internacional na Universidade de Colônia, não considera apropriados tais instrumentos.

"A ideia do Tribunal Penal Internacional é, sobretudo, levar às barras da lei governantes que abusem de seu poder e violem gravemente o direito internacional, com genocídio ou crimes contra a humanidade. Ele não existe, em primeira linha, para o soldado raso nem para o simples jihadista. Isso pode ser resolvido pela Justiça penal comum."

Além disso, via de regra os casos são entregues a Haia pelo Conselho de Segurança da ONU, e no momento está praticamente descartado um consenso entre as nações com direito de veto, que são Estados Unidos, Rússia, China, França e Reino Unido.

Outra opção seria os curdos entregarem os jihadistas alemães à Justiça iraquiana. Bagdá tem interesse em punir os atos criminosos do EI, e no Iraque já estão presos no mínimo nove alemães por associação com a milícia terrorista. Para Gazeas, teoricamente uma entrega às autoridades iraquianas seria viável. No entanto, nesse país existe a pena capital, e ela é aplicada.

"Isso, por si só, já é incompatível com o nosso sistema de valores. Portanto a iniciativa para uma entrega dessas não poderia partir do governo alemão, tanto por motivos constitucionais quanto de Estado de Direito." Por outro lado, seria possível acertar determinados detalhes do tratamento e do processo penal com o governo iraquiano, através do instrumento da garantia segundo o direito internacional.



Não é impensável as YPG curdas chegarem a um acordo com o governo sírio, diante da ameaça de uma invasão de seu atual território pelas forças da Turquia. Existem canais de diálogo, e eles são utilizados intensivamente no momento, diante do roçar de sabres turcos e da retirada das tropas americanas.

No fim, talvez Damasco recupere sua soberania sobre o norte da Síria e, caso os combatentes estrangeiros do EI ainda se encontrem nos acampamentos curdos, talvez tenha que responder diante de tribunais sírios. Contudo, tanto o princípio do Estado de Direito alemão quanto a garantia da dignidade humana impedem que se force ou sequer se especule sobre tal solução, pois na Síria não vigoram padrões de Estado de Direito, e as cortes sentenciam contra esses princípios.

Por fim, a única opção realmente em consonância com as regras do Estado de Direito é a entrega dos casos à alçada dos tribunais superiores regionais da Alemanha. Estatísticas recentes mostram que ela já vem sendo consequentemente aplicada.



Entre o início de 2015 e o fim de 2018, a procuradoria-geral da Alemanha abriu 2.216 inquéritos relacionados a terrorismo islamista, dos quais cerca da metade foi suspensa. Nesses quatro anos foram expedidos 141 mandados de prisão e 67 réus foram condenados, a maioria por apoiar ou pertencer a uma associação terrorista.

Para o advogado Mutlu Günal, de Bonn, não há discussão: ele aposta que para cada combatente do EI do sexo masculino detido em acampamentos curdos há um mandado de prisão na Alemanha, e que nenhum ficará em liberdade quando retornar ao país. De fato, segundo a mídia do país, já há mandados contra 17 deles.

Quanto às mulheres, em geral é mais difícil provar que tenham cometido atos criminosos. Günal cita um veredicto da Corte Federal de Justiça (BGH), excluindo que se considere apoio ao EI o fato de alguém ter vivido em seu território de domínio apenas como dona de casa ou mãe.



Na punição de jihadistas do EI, o ministro do Interior do Reino Unido já aplicou uma alternativa que vem também sendo discutida na Alemanha, ao retirar a cidadania britânica de Shamima Begum, de 19 anos. O governo americano trilhou o mesmo caminho no caso de Hoda Muthana, de 24 anos. Na Alemanha, contudo, a medida é inconstitucional, também por motivos históricos: durante o regime nazista, essa foi uma das sanções contra os judeus.

Em um caso, porém, esse passo é aceitável nos termos do direito de cidadania: quando, sem a permissão do próprio Estado, alguém se associa às Forças Armadas de um outro país. Para aplicar essa regra aos jihadistas do EI, contudo, seria preciso reconhecer a milícia terrorista como um Estado, o que está fora de cogitação.

Não é possível o governo tomar de volta o passaporte alemão quando o indivíduo possui dupla cidadania. A lei nesse sentido está sendo discutida, mas não há resolução a respeito.

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