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Quem mandou matar Marielle?

João Soares (do Rio)

12/03/2019 18h36

Após prisão de suspeitos de participar de execução, pessoas ligadas à vereadora cobram informações sobre mandante. Investigadores tentam agora descobrir se crime foi encomendado, e governador cogita delação premiada.Um passo importante foi dado no caso Marielle Franco nesta terça-feira (12/03), às vésperas de o assassinato da vereadora carioca e do motorista Anderson Gomes completar um ano. Uma operação da Divisão de Homicídios da Polícia Civil do Rio e do Ministério Público estadual prendeu dois suspeitos de participar da execução.

De acordo com a denúncia do MP, o policial militar reformado Ronnie Lessa, de 48 anos, seria o responsável por realizar os disparos que levaram às mortes. Já o ex-policial militar Élcio Vieira de Queiroz, de 46 anos, é apontado como motorista do carro que perseguiu Marielle na noite do crime.

Após as prisões, pessoas ligadas à vereadora ficaram divididas entre celebrar o avanço no sentido da elucidação do caso e cobrar informações sobre quem foi o mandante da execução, algo que ainda não foi revelado pelos investigadores.

"Não deixa de ser uma vitória, mas é incompleta. Foi um ano de muita dor, de muito sofrimento. Mas a gente ainda tem esperança de saber o que realmente aconteceu", afirmou Marinete Silva, mãe de Marielle. "É lógico que aumenta muito a nossa dor saber que a morte da sua filha foi planejada. Isso torna tudo muito mais doloroso. Nunca perdi a esperança. Agora, precisamos saber o motivo dessa barbaridade toda."

A viúva de Marielle, Mônica Benício, também adotou tom crítico à falta de respostas sobre os mandantes do assassinato. "Mais importante do que prender ratos mercenários é a gente responder quem é o verdadeiro assassino disso tudo, quem mandou matar", disse, apesar de elogiar o trabalho do MP e a conversa que teve com a equipe de investigação.

"Faz um ano que a minha vida pessoal está completamente parada, imersa nessa luta de justiça por Marielle. Obviamente tivemos entraves de gente que não estava interessada em que esse assassinato seja elucidado", acrescentou.

Na mesma linha, o deputado federal Marcelo Freixo (PSOL-RJ), com quem Marielle trabalhou por 11 anos, ressaltou a importância de identificar quem está por trás do crime.

"Quem matou Marielle não foi apenas quem apertou o gatilho. Quem matou Marielle foi quem planejou a sua morte, quem contratou, quem politicamente desejou eliminar Marielle. É muito importante para o país saber quem mandou matar Marielle, qual objetivo político e qual a motivação", disse.

A Anistia Internacional também cobrou informações sobre os mandantes do crime e, para isso, destacou a importância de investigações independentes. "Agora, mais do que nunca, a Anistia Internacional reitera a necessidade de, como já foi feito em outros países, um grupo externo e independente de especialistas para acompanhar as investigações e o processo", afirmou a organização.

"A organização reitera que ainda há muitas perguntas não respondidas e que as investigações devem continuar até que os autores e os mandantes do assassinato sejam levados à Justiça", acrescenta a nota.

Marielle, de 38 anos, e Anderson, de 39, foram assassinados em 14 de março de 2018 no bairro do Estácio, região central do Rio, quando saíam de um evento no qual a vereadora palestrava. O carro foi alvejado por vários disparos, dos quais quatro atingiram a cabeça dela.

Capítulos da investigação

As investigações do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco) do MP do Rio revelaram que o crime foi meticulosamente planejado ao longo de três meses. Nesse período, Lessa fez buscas na internet sobre locais que a vereadora frequentava. A promotora Simone Sibilio, coordenadora do Gaeco, assegurou que a motivação do assassinato decorre da atuação política de Marielle.

"Foi a motivação torpe, decorrente de uma repulsa, de uma reação de Ronnie Lessa a uma atuação política de Marielle na defesa de suas causas. Nas causas voltadas para as minorias, para as mulheres negras, LGBT, entre outras. Isso ficou comprovado, ficou suficientemente indiciado a ponto do MP denunciar por essa motivação. Essa é uma motivação torpe, abjeta", detalhou Sibilio.

A coordenadora do Gaeco disse não ser possível descartar que se trate de um crime encomendado, embora tenha ressaltado que as pesquisas de Lessa na internet demonstram "perfil absolutamente reativo às pessoas que se dedicam às causas das minorias".

As investigações sobre o caso deverão ter continuidade. Lessa, suspeito de ser autor dos disparos contra a vereadora, tem envolvimento em outros crimes ligados à contravenção no Rio e será apurado se há ligações do PM reformado com as milícias do Rio de Janeiro.

O governador do estado, Wilson Witzel, afirmou que os dois suspeitos presos nesta terça-feira serão convidados a fazer delação premiada. A ideia é driblar as dificuldades dessa etapa de investigação, em que os investigadores tentarão descobrir se o crime foi encomendado.

A primeira linha de investigação sobre o caso, levantada em maio do ano passado, trabalhava com a hipótese de o assassinato ter sido encomendado por milicianos da Zona Oeste da cidade. A tese se baseava no depoimento de uma testemunha que integrou um grupo paramilitar na área, onde a atuação da vereadora teria entrado em conflito com interesses dos grupos locais.

Como a vereadora não tinha atuação direta na região, a versão perdeu força. Outra linha de investigação trata de uma possível vingança política contra Freixo, presidente da CPI das Milícias na Assembleia Legislativa do Rio em 2008, quando era deputado estadual. Na época, Marielle trabalhava em seu gabinete como assessora parlamentar.

Além disso, Freixo moveu uma ação judicial que impediu a participação do deputado Edson Albertassi (MDB-RJ) na disputa por uma cadeira no conselho do Tribunal de Contas do Estado, o que impediu que um processo judicial contra ele e outros dois caciques do MDB, Jorge Picciani e Paulo Melo, fosse levado para o Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília. Este seria um outro possível motivo de vingança contra o deputado do PSOL.

Durante a investigação do caso, a Polícia Civil do Rio descobriu, em agosto do ano passado, a atuação de um grupo conhecido como Escritório do Crime, formado por policiais e ex-policiais altamente especializados em execuções por encomenda. De acordo com o miliciano Orlando de Curicica, apontado inicialmente como suspeito principal no caso, a quadrilha teria pagado 200 mil reais pela morte da vereadora.

Em meio aos questionamentos sobre a demora na elucidação do crime, foi aberta uma investigação da Polícia Federal em novembro passado, a pedido da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, para apurar uma suposta obstrução da investigação do caso. O então ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, afirmou que a organização criminosa envolvida no processo incluía "a participação de agentes públicos, milicianos e a contravenção".

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