Vélez diz que livros didáticos vão mudar porque "não houve golpe em 1964"
Ministro da Educação afirma que "haverá mudanças progressivas" para refletir "uma versão da História mais ampla". Para ele, ditadura foi "um regime democrático de força". Historiadores criticam revisionismo.O ministro da Educação, Ricardo Vélez Rodríguez, afirmou nesta quarta-feira (03/04) que, para que as crianças possam ter uma "ideia verídica, real do que foi a sua história", seu ministério realizará "mudanças progressivas" nos livros didáticos. A intenção, segundo diz, é transformar a maneira como o golpe de 1964 e a ditadura militar são retratados nas escolas.
Segundo ele, não houve um golpe de Estado em 1964, e a ditadura que se seguiu à tomada do poder pelos militares foi um "regime democrático de força". Essas afirmações foram feitas pelo ministro da Educação em entrevista ao jornal Valor Econômico.
"A História brasileira mostra que o 31 de março de 1964 foi uma decisão soberana da sociedade brasileira. Quem colocou o presidente Castelo Branco no poder não foram os quartéis", afirmou o ministro na entrevista. "Foi a votação no Congresso, uma instância constitucional, quando há a ausência do presidente. Era a Constituição da época, e foi seguida à risca. Houve uma mudança de tipo institucional, não foi um golpe contra a Constituição da época, não", justificou.
"Haverá mudanças progressivas [nos livros didáticos] na medida em que seja resgatada uma versão da História mais ampla", afirmou. "O papel do MEC [Ministério da Educação] é garantir a regular distribuição do livro didático e preparar o livro didático de forma tal que as crianças possam ter a ideia verídica, real, do que foi a sua história."
As discussões em torno do golpe de 1964 voltaram ao centro do debate político do país após o governo do presidente Jair Bolsonaro propor a realização de comemorações do aniversário da instauração do governo militar, o que gerou enorme controvérsia e uma onda de repúdio e também de apoio à iniciativa.
Vélez vem perdendo prestígio à frente do ministério em meio a uma disputa de poder que se agravou na semana passada, com a indicação de um militar, o tenente-brigadeiro Ricardo Machado Vieira, como número 2 da pasta.
A nomeação foi considerada uma vitória dos militares próximos à cúpula do governo na queda de braço com os seguidores do ideólogo Olavo de Carvalho – considerado o "guru ideológico" da família Bolsonaro – que integram a pasta, entre os quais o próprio ministro.
O grupo vinculado às Forças Armadas entende que Vélez está refém do campo ideológico, o que impede o avanço de projetos desenhados antes de sua nomeação. Além disso, a imagem do ministro tem sofrido um desgaste contínuo, o que desperta críticas até mesmo de políticos da base do governo.
Essa disputa de poder resultou numa paralisia do MEC, que gera impactos em diferentes áreas da educação. Questões centrais de um dos setores com necessidades mais urgentes do Brasil, como o conteúdo e cronograma da prova do Enem deste ano, deixam de ser discutidas.
Outra questão que permanece em suspenso é a Base Nacional Comum Curricular, sancionada em 2017 para a Educação Infantil e Fundamental e em 2018 para o Ensino Médio, que teria que ser posta em prática pelas redes municipais e estaduais, mas que não andou neste ano.
A Reforma do Ensino Médio, outra modificação profunda no sistema educacional, também apresenta diversas lacunas. O apoio técnico e financeiro para a implementação do projeto anunciado pelo MEC no ano passado está parado e sem indicativo de avanço.
Na entrevista, Vélez negou que a nomeação do tenente-brigadeiro pudesse ser uma espécie de "intervenção branca" no MEC, dizendo que foi ele próprio quem o escolheu. "Eu conheço muitos militares porque sou professor da Escola do Estado-Maior do Exército (ECME) há mais de dez anos. O brigadeiro foi instrutor da ECME, nos conhecemos neste longo trajeto e trocamos muitas figurinhas a respeito da educação e da gestão pública."
O ministro reconhece que há problemas no ministério, mas disse que está "fazendo todo o possível" para desempenhar a contento o seu cargo. Ele disse que nunca pediu para ser ministro, que está "prestando um serviço ao país" e não tem apego ao cargo. Vélez se diz ainda um "fiel colaborador" do presidente. "Enquanto ele quiser me ter aqui como seu ministro, estarei aqui", afirmou.
Os comentários de Vélez sobre o golpe de 1964 se somam a outras declarações de revisionismo histórico de integrantes do governo Bolsonaro , como as declarações de que o nazismo foi um movimento de esquerda. Essas visões vêm sendo amplamente difundidas por Olavo de Carvalho e seus seguidores, entre eles o chanceler Ernesto Araújo e o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente.
Em entrevista à DW, o historiador Bruno Leal, da Universidade de Brasília, avaliou que "a História tem sido manipulada por setores dessa 'nova direita' com o objetivo principal de legitimar seus projetos políticos. O que orienta a narrativa sobre o passado que esses grupos e indivíduos produzem não é o rigor acadêmico nem os princípios da divulgação científica, da história pública ou do ensino de História, mas um projeto político".
RC/ots/dw
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Segundo ele, não houve um golpe de Estado em 1964, e a ditadura que se seguiu à tomada do poder pelos militares foi um "regime democrático de força". Essas afirmações foram feitas pelo ministro da Educação em entrevista ao jornal Valor Econômico.
"A História brasileira mostra que o 31 de março de 1964 foi uma decisão soberana da sociedade brasileira. Quem colocou o presidente Castelo Branco no poder não foram os quartéis", afirmou o ministro na entrevista. "Foi a votação no Congresso, uma instância constitucional, quando há a ausência do presidente. Era a Constituição da época, e foi seguida à risca. Houve uma mudança de tipo institucional, não foi um golpe contra a Constituição da época, não", justificou.
"Haverá mudanças progressivas [nos livros didáticos] na medida em que seja resgatada uma versão da História mais ampla", afirmou. "O papel do MEC [Ministério da Educação] é garantir a regular distribuição do livro didático e preparar o livro didático de forma tal que as crianças possam ter a ideia verídica, real, do que foi a sua história."
As discussões em torno do golpe de 1964 voltaram ao centro do debate político do país após o governo do presidente Jair Bolsonaro propor a realização de comemorações do aniversário da instauração do governo militar, o que gerou enorme controvérsia e uma onda de repúdio e também de apoio à iniciativa.
Vélez vem perdendo prestígio à frente do ministério em meio a uma disputa de poder que se agravou na semana passada, com a indicação de um militar, o tenente-brigadeiro Ricardo Machado Vieira, como número 2 da pasta.
A nomeação foi considerada uma vitória dos militares próximos à cúpula do governo na queda de braço com os seguidores do ideólogo Olavo de Carvalho – considerado o "guru ideológico" da família Bolsonaro – que integram a pasta, entre os quais o próprio ministro.
O grupo vinculado às Forças Armadas entende que Vélez está refém do campo ideológico, o que impede o avanço de projetos desenhados antes de sua nomeação. Além disso, a imagem do ministro tem sofrido um desgaste contínuo, o que desperta críticas até mesmo de políticos da base do governo.
Essa disputa de poder resultou numa paralisia do MEC, que gera impactos em diferentes áreas da educação. Questões centrais de um dos setores com necessidades mais urgentes do Brasil, como o conteúdo e cronograma da prova do Enem deste ano, deixam de ser discutidas.
Outra questão que permanece em suspenso é a Base Nacional Comum Curricular, sancionada em 2017 para a Educação Infantil e Fundamental e em 2018 para o Ensino Médio, que teria que ser posta em prática pelas redes municipais e estaduais, mas que não andou neste ano.
A Reforma do Ensino Médio, outra modificação profunda no sistema educacional, também apresenta diversas lacunas. O apoio técnico e financeiro para a implementação do projeto anunciado pelo MEC no ano passado está parado e sem indicativo de avanço.
Na entrevista, Vélez negou que a nomeação do tenente-brigadeiro pudesse ser uma espécie de "intervenção branca" no MEC, dizendo que foi ele próprio quem o escolheu. "Eu conheço muitos militares porque sou professor da Escola do Estado-Maior do Exército (ECME) há mais de dez anos. O brigadeiro foi instrutor da ECME, nos conhecemos neste longo trajeto e trocamos muitas figurinhas a respeito da educação e da gestão pública."
O ministro reconhece que há problemas no ministério, mas disse que está "fazendo todo o possível" para desempenhar a contento o seu cargo. Ele disse que nunca pediu para ser ministro, que está "prestando um serviço ao país" e não tem apego ao cargo. Vélez se diz ainda um "fiel colaborador" do presidente. "Enquanto ele quiser me ter aqui como seu ministro, estarei aqui", afirmou.
Os comentários de Vélez sobre o golpe de 1964 se somam a outras declarações de revisionismo histórico de integrantes do governo Bolsonaro , como as declarações de que o nazismo foi um movimento de esquerda. Essas visões vêm sendo amplamente difundidas por Olavo de Carvalho e seus seguidores, entre eles o chanceler Ernesto Araújo e o deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho do presidente.
Em entrevista à DW, o historiador Bruno Leal, da Universidade de Brasília, avaliou que "a História tem sido manipulada por setores dessa 'nova direita' com o objetivo principal de legitimar seus projetos políticos. O que orienta a narrativa sobre o passado que esses grupos e indivíduos produzem não é o rigor acadêmico nem os princípios da divulgação científica, da história pública ou do ensino de História, mas um projeto político".
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