Há 90 anos nascia Anne Frank, menina que daria rosto ao Holocausto
O Diário de Anne Frank já foi editado em mais de 50 idiomas e vendeu, desde sua publicação em 1947, dezenas de milhões de exemplares. O livro foi adaptado para o palco e, entre 1959 e 2001, inspirou dezenas de filmes e peças de teatro, da Holanda a Hollywood.
Nascida em 12 de junho de 1929, a autora morreu com apenas 15 anos de idade no campo de concentração nazista de Bergen-Belsen. Valor literário à parte, o maior mérito de Anne foi, postumamente, ter dado um rosto ao Holocausto.
Pois, se Otto Frank não houvesse decidido publicar os registros íntimos da adolescente, feitos durante os dois anos em que a família esteve escondida dos nazistas em Amsterdã, ela seria apenas mais uma entre os 6 milhões de judeus exterminados.
Mais do que assassiná-los, o regime nazista apagou milhões de existências, condenando os mortos ao anonimato. Isso permite que, até hoje, haja quem tente não só negar a dimensão da barbárie, mas também racionalizar o injustificável, procurando motivações políticas e econômicas, enfim, a "culpa" dos judeus por seu destino.
Felizmente, é quase impossível manter essa pretensa objetividade, ao ouvir de uma adolescente - que se expressa no tom singelo de uma irmã, amiga ou filha - os efeitos da campanha assassina de Hitler sobre o cidadão comum. Ao ler seu diário, o leitor se dá conta que quem sofreu tantas frustrações, humilhações e outros atos de violência poderia ser qualquer um, judeu ou não.
Thomas Heppener, que dirigiu por quase uma década o museu da Casa Anne Frank, em Amsterdã, diz que a menina tornou-se "um símbolo e a vítima mais conhecida dessa época". Apesar de tudo o que já foi dito, escrito e mostrado sobre o período de 1933 a 1945 na Europa, "esse diário é a melhor forma de penetrar nas esperanças e desejos das pessoas", afirma.
O cerco nazista
Os Frank mudaram-se de Frankfurt para a Holanda exatamente em 1933, ano em que os nacional-socialistas subiram ao poder na Alemanha. Otto, pai de Anne, fundou uma firma em Amsterdã. Durante sete anos, a família levou uma vida normal e pacífica.
Esse quadro se transformou de um só golpe quando os nazistas ocuparam a Holanda, em 1940, na Segunda Guerra Mundial. Assim como os outros judeus, a família foi sendo pouco a pouco cerceada, o acesso à escola e às piscinas públicas lhes foi cortado, e o pai de família não pôde mais gerir seus próprios negócios. Todos os judeus tinham que portar o estigma da estrela amarela em público, sob ameaça de severas penas.
Quando, em 1942, Margot, uma das irmãs, foi convocada para trabalhar no Leste Europeu, os Frank decidiram entrar para a clandestinidade. Enquanto nos escritórios e depósitos "oficiais" continuavam as atividades usuais da firma de Otto, eles passaram a habitar, juntamente com uma família amiga, as salas vazias nos fundos do prédio.
Uma escada unia as duas partes da casa, e a passagem era camuflada por uma estante móvel. Ao todo, oito pessoas passaram 25 meses nesse esconderijo, totalmente isoladas do mundo exterior. Isto só foi possível com a conivência de quatro funcionários, que traziam comida e livros, e os mantinham informados sobre os acontecimentos políticos.
"Kitty", o confidente
Um diário, denominado "Kitty", tornou-se o confidente de Anne nesse exílio e fuga mental para as limitações do dia a dia. A ele, iniciado em seu aniversário em 1942, a menina confiava suas ideias e aspirações, sua opinião sobre os inevitáveis atritos interpessoais ditados pela convivência longa e forçada no esconderijo.
De forma tocante, ela falou de seu desenvolvimento físico, das relações com o pai e a mãe, e do amor. Revelou detalhes cotidianos aparentemente insignificantes, como a restrição de ir ao banheiro somente à noite, quando a firma estava fechada. Mas também narrou momentos de pavor, noites em que a capital holandesa foi bombardeada, ou a presença de estranhos na loja, que forçava os fugitivos à imobilidade quase total.
Símbolo contra a intolerância
Porém, em 1944, alguém - até hoje não se sabe exatamente quem - denunciou os clandestinos. Poucos dias depois, a SS revistava a firma, levando os oito embora, de início para um campo de trabalho forçado na Holanda.
Mais tarde, foram transportados num trem de carga até Auschwitz, e de lá a Bergen-Belsen, na Baixa Saxônia. Em março de 1945, poucas semanas antes da libertação desse campo, Anne e Margot morreram de tifo.
Dos oito "clandestinos" da Prinsengracht 263, apenas Otto Frank sobreviveu ao Holocausto. A casa onde a família se escondeu durante dois anos foi transformada em museu em 1957, recebendo centenas de milhares de visitantes por ano, sobretudo jovens.
Ela é um monumento palpável contra o antissemitismo e outras formas de intolerância.
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