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Resistência política dá o tom da parada LGBT de São Paulo

Nádia Pontes (de São Paulo)

23/06/2019 20h09

Com público estimado em 3 milhões de pessoas, ato na avenida Paulista tem gritos contra Bolsonaro. Evento lembra 50 anos da Rebelião de Stonewall, marco na luta por direitos LGBT.A Parada do Orgulho LGBT (lésbicas, gays, bissexuaais e transgêneros) de São Paulo deste ano, realizada neste domingo (23/06) na avenida Paulista, foi marcada por um forte tom político.

"Vivemos este momento político que assombra a população LGBT", afirmou Renato Viterbo, vice-presidente da associação que organiza o evento, do alto do primeiro de 19 trios elétricos, 1 minuto antes da abertura oficial da 23ª edição da parada. "Este também é um ato de protesto e resistência”, disse à DW Brasil.

Um pouco antes de falar para o público estimado pela organização em três milhões de pessoas, David Miranda, deputado federal, classificou a parada paulista de "o maior movimento de resistência política do mundo, que manda um recado para Brasília" - é o evento do tipo com público mais numeroso do Brasil.

Miranda falou ainda sobre casos de violência contra LGBTs. Suplente, ele assumiu a vaga após o deputado eleito Jean Willys deixar o Brasil no início do ano, alegando sofrer ameaças.

Um coro contra o presidente Jair Bolsonaro foi ouvido ao longo da Paulista. O ativista Agripino Magalhães foi um dos que gritaram. "Este governo espalha ódio a todo momento. Mesmo assim, a Paulista está cheia. Ou seja, mesmo ele falando contra nós, iremos manter a resistência”, disse.

Para muitos, a parada de 2019 também é comemoração. Dez dias antes, o Supremo Federal Tribunal (STF) decidiu que a discriminação pela orientação social e identidade de gênero é crime. A prática ou incitação à intolerância, discriminação ou ao preconceito passará a ser considerada crime de racismo, que, segundo a lei, é inafiançável e imprescritível e pode ser punido com até cinco anos de prisão e multa.

Luciano, de 20 anos, que viajou de Campo Grande (MS) a São Paulo para participar da parada pela primeira vez, espera que a decisão do STF ajude a diminuir os casos de insultos e preconceito que diz sofrer em sua cidade.

Para o advogado Paulo Iotti, autor da ação que fez a defesa oral no STF, o evento celebra essa "vitória realmente histórica, paradigmática". Segundo Iotti, a criminalização da lgbtfobia sempre esteve entre as principais demandas da população LGBT.

"É muito especial que isso tenha ocorrido no governo Bolsonaro, que é historicamente um antagonista, alguém que sempre se opôs à cidadania LGBT de qualquer forma”, disse à DW Brasil.

A criminalização sozinha, na opinião de Iotti, não coloca fim à violência. "Mas o discurso de ódio deve diminuir. Bolsonaro mesmo falou uma vez que ele tinha direito de expressão para ser homofóbico. Mas agora é crime”, adicionou.

Um dos episódios mais violentos contra LGBTs é lembrado neste ano em São Paulo: a Rebelião de Stonewall. Ela ganhou o nome do bar em Nova York onde, em 28 de junho de 1969, uma batida policial acabou num conflito e iniciou uma série de manifestações na cidade. Cinquenta anos depois, a polícia nova-iorquina reconheceu o erro em Stonewall.

No Brasil, a rebelião não surtiu efeito de imediato - ela ocorreu nos Estados Unidos menos de um ano depois do Ato Institucional Número Cinco (AI-5), em 1969, que marcou a ditadura militar.

"A emergência do movimento LGBT só acontece no fim da década de 1970, que é um período ainda de ditadura, mas já com a agenda de abertura lenta, gradual e segura, como eles chamavam", explica Renan Quinalha, pesquisador da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Desde então, a conquista de direitos avançou a cada década, opina Quinalha. "O Brasil faz parte de um seleto rol de países que garantem os principais direitos reivindicados pela comunidade LGBT: casamento civil, direito à identidade de gênero das pessoas trans e agora a criminalização da lgbtfobia." Por outro lado, afirma o pesquisador, o cenário atual, sob a presidência de Bolsonaro, é considerado frágil.

Abgail Santos, de 42 anos, que teve impresso seu novo nome no documento em 2016, ouviu falar de Stonewall pela primeira vez há pouco tempo. "Quando assumi quem eu sou, eu estudei a história dos direitos LGBT e conheci o conflito", conta.

Desde que ganhou uma neta, que tem quase dois anos, Santos decidiu participar mais de perto dos movimentos organizados. "A gente sofre muita violência. O Brasil é um dos que mais matam pessoas LGBT. Mas também temos que comemorar cada conquista e nos manter fortes, mesmo com esse governo preconceituoso", disse.

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Autor: Nádia Pontes (de São Paulo)