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"Espero que migrantes que se escondem continuem escondidos"

Carla Bleiker (ca)

16/07/2019 12h59

Em entrevista, ativista da Human Rights Watch fala sobre batidas planejadas contra famílias sem papéis nos EUA. Ação provoca medo entre migrantes, que, entre outras coisas, deixam de levar os filhos à escola, afirma.No último fim de semana, autoridades americanas anunciaram que o Serviço de Imigração e Controle de Alfândegas (ICE, na sigla em inglês) daria início a uma série de batidas de controle contra imigrantes sem documentação nos EUA.

O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, descreveu a planejada ação de domingo como uma "grande operação", com famílias como alvo e que abrangeria várias cidades importantes, incluindo Los Angeles, Nova York, Chicago e Houston.

Imigrantes e voluntários humanitários ficaram de prontidão em todo o país diante das incursões, mas houve apenas relatos de um pequeno número de operações de pequena escala em cidades selecionadas.

Grace Meng, vice-diretora do programa para os EUA na ONG Human Rights Watch, explicou em entrevista à DW que, mesmo assim, "houve um enorme impacto". Segundo a ativista, as pessoas afetadas deixam de fazer coisas que fariam normalmente, como levar os filhos à escola ou ao médico.

"Certamente, a intensidade do medo que as pessoas estão sentindo agora é resultado direto das batidas anunciadas", afirmou Meng.

DW: Qual a extensão das batidas contra imigrantes ilegais pelo Serviço de Imigração e Alfândegas (ICE) anunciadas para o domingo?

Grace Meng: Houve definitivamente relatos de agentes batendo à porta de pessoas, mas elas não as abriram, porque esses agentes não tinham mandados. Houve alguns rumores da atividade do ICE nos metrôs de Nova York, mas eles se mostraram falsos. Parece que, ao menos no fim de semana, as batidas não aconteceram como as comunidades temiam.

Mesmo assim, houve um enorme impacto. As pessoas ficaram receosas e optaram por não fazer coisas que de outra forma teriam feito. E isso é realmente apenas um dia na vida de um imigrante sob o governo Trump.

Por que você acha que não aconteceram batidas em grande escala?

As autoridades governamentais que disseram à imprensa que essas batidas iriam começar no domingo também falaram que elas ocorreriam ao longo de uma semana, então não podemos presumir que elas foram canceladas. Elas ainda podem acontecer.

Também houve relatos de autoridades que disseram haver perdido o elemento surpresa pelo fato de as batidas terem sido anunciadas antecipadamente. Então, podem ter decidido não começar no domingo, já que esperavam que muitas pessoas se escondessem.

O que você espera para esta semana?

A minha expectativa é de que as pessoas que se escondem continuem escondidas, que mais pessoas deixem de levar seus filhos à escola ou ao médico, que reduzam suas atividades fora de casa ao mínimo possível.

Certamente, a intensidade do medo que as pessoas estão sentindo agora é resultado direto das batidas anunciadas. Mas o medo generalizado, decisões generalizadas de não chamar a polícia quando são vítimas de crimes, não procurar atendimento médico – essas decisões vêm sendo tomadas por imigrantes com medo de deportação já há bastante tempo, não apenas nesta semana.

Qual é a sua postura diante dessas batidas?

Estamos profundamente preocupados com as enormes violações dos direitos humanos decorrentes dessas batidas em massa, como anunciado. Se forem prender milhares de famílias, a nossa expectativa é que haja uma onda de abusos: mais separação familiar, mais detenção familiar. Devemos ver pessoas sofrendo depois de já terem passado por um processo no tribunal de imigração, muitas vezes sem uma audiência justa.

E como mencionei, devemos ver pessoas deixando de utilizar serviços importantes e necessários, inclusive para crianças cidadãs americanas. O direito à educação é realmente fundamental e se aplica a todas as crianças, independentemente do seu status. Pais optaram por não colocar seus filhos na escola. Isso aconteceu no passado e deve acontecer no futuro. Isso tem um impacto real sobre essas crianças.

O presidente Donald Trump não pretende apenas deportar milhares de imigrantes, ele também quer garantir, em primeiro lugar, que menos pessoas entrem nos EUA. Há uma nova legislação de refúgio a entrar em vigor nesta terça-feira, estabelecendo que os imigrantes que passaram por outro país a caminho dos EUA não podem mais requerer refúgio nos EUA. Isso significa que eles teriam que ser do México ou do Canadá ou voar diretamente para os EUA para ser elegível. O que você acha disso?

Estamos profundamente preocupados com os abusos que devem acontecer se [as autoridades mexicanas] se concentrarem em impedir que imigrantes centro-americanos cheguem aos EUA.

Os EUA têm a obrigação, sob as suas próprias leis e sob o direito internacional, de receber os requerentes de refúgio e garantir efetivamente que obtenham uma audiência justa. Os países da região que os migrantes atravessam frequentemente não têm necessariamente uma proteção adequada para os requerentes de refúgio.

Os EUA não devem expatriar os requerentes de refúgio para outros países. Isso não isenta os Estados Unidos de suas obrigações de protegê-los sob o direito internacional.

Conheci pessoas que fugiram de seus países porque eram intérpretes do Exército dos EUA e viajaram pela América Central e pelo México [para solicitar refúgio nos EUA]. Quando estão fugindo da perseguição, muitas vezes, eles não recebem um visto para irem convenientemente para o local aonde querem chegar. É apenas mais uma maneira pela qual o governo Trump está tentando impedir as pessoas de reivindicarem o direito de buscar refúgio.

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Autor: Carla Bleiker (ca)