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"Partido de Bolsonaro pode revelar apoio menor que esperado"

Bruno Lupion

21/11/2019 13h55

Com lançamento da Aliança pelo Brasil, presidente tenta criar legenda ao redor de sua própria figura. Especialista europeu em extrema direita aponta similaridades com o caso do populista peruano Alberto Fujimori.A Aliança pelo Brasil, partido lançado nesta quinta-feira (21/09) em Brasília por Jair Bolsonaro, é uma iniciativa do presidente para criar "um veículo pessoal" sobre o qual ele tenha total controle, mas inclui um risco: revelar que o apoio popular a ele pode ser menor do que o esperado.

A análise é de Cas Mudde, cientista político holandês e referência em estudos sobre o populismo e a extrema direita. Ele compara o último lance de Bolsonaro ao que Alberto Fujimori fez no Peru: "criar um partido que era somente sobre ele mesmo". Fujimori governou o Peru de maneira autoritária entre 1990 e 2000. No periódo dissolveu o Congresso com o apoio das Forças Armadas.

A legenda de Bolsonaro ainda precisará coletar quase 492 mil assinaturas e obter a aprovação da Justiça Eleitoral para funcionar como partido. O objetivo do presidente é lançar candidatos a vereador e prefeito pela nova sigla já em 2020.

Professor da Universidade da Geórgia, nos Estados Unidos, Mudde lançou em setembro o livro The Far Right Today [A extrema direita hoje]. Em entrevista à DW Brasil, ele analisa o manifesto da Aliança pelo Brasil e aponta especificidades que o diferenciam dos partidos de extrema direita pelo mundo.

Um desses aspectos é o personalismo centrado na figura de só um líder, que faz sentido no contexto latino-americano, mas não aparece com frequência em legendas semelhantes em outros continentes. "Na Europa, mas também na Índia, há muito mais do que apenas um líder [nesses partidos]", diz.

Outro ponto que diferencia a Aliança pelo Brasil da maioria dos partidos europeus de extrema direita é a posição central da moralidade com conotação religiosa, segundo Mudde.

Indagado sobre como democracias liberais podem se proteger da ameaça da extrema direita, ele provoca os partidos tradicionais a buscarem narrativas fortes que ofereçam reais alternativas à população insatisfeita.

DW Brasil: O que caracteriza a extrema direita?

Cas Mudde: A extrema direita compreende a ultradireita e a direita radical. A ultradireita é contra a democracia em si, contra a soberania popular e o governo da maioria. Já a direita radical aceita isso, mas tem problemas com a democracia liberal, especialmente com os direitos das minorias, a separação de poderes e o Estado de direito. É crucial para a extrema direita o nativismo, a crença de que o Estado deve ser somente de sua própria nação e de que tudo que não é nativo daquele local é ameaçador.

Essas ideias se tornaram normalizadas em democracias ocidentais por volta do ano 2000. A principal razão foram os ataques terroristas de 11 de setembro. A resposta foi um discurso sociocultural, no qual temas de identidade e segurança estão ligados.

Nesse contexto, onde você posicionaria Bolsonaro?

Ele se encaixa nesse contexto, mas há algumas diferenças. O fator determinante para Bolsonaro não é o nativismo, apesar de isso ser também central na sua ideologia. O que foi determinante para o seu sucesso foram o autoritarismo e o restabelecimento da ordem.

Bolsonaro lançou nesta quinta-feira (21/09) um novo partido, a Aliança pelo Brasil. Como o senhor avalia essa iniciativa?

Bolsonaro chegou ao poder em uma espécie de coalizão com outro partido [PSL], que ele não conseguiu controlar totalmente, e está tentando aproveitar este momento no qual ele tem apoio para criar um partido que ele controle. Mas há um risco nisso também, que é evidenciar o apoio relativamente limitado que ele pode vir a ter.

Na disputa à presidência, em que o vencedor leva tudo, houve elementos específicos que colaboraram para sua vitória, sendo o principal deles [o ex-presidente] Lula não poder concorrer, e isso faz parecer que a maioria dos brasileiros o apoia. Mas, quando você tem eleições para o Legislativo, não é mais uma situação em que o vencedor leva tudo, e há uma chance razoável de que esse partido se mostre relativamente reduzido.

O manifesto da Aliança pelo Brasil diz que, muito mais que um partido, ele se trata do "sonho e da inspiração de pessoas leais ao Presidente Jair Bolsonaro". Esse personalismo é comum em partidos de extrema direita?

Não é tão típico como muitos podem pensar. Na mídia, a extrema direita é frequentemente limitada a um líder, como [Donald] Trump. Mas quando você olha para os partidos de extrema direita, especialmente na Europa, mas também na Índia, há muito mais do que apenas um líder. O BJP [partido indiano] é muito mais que [o primeiro-ministro Narendra] Modi. O [partido francês] Rassemblement National é muito mais que Marine Le Pen. O FPÖ da Áustria tem vários líderes.

No caso do partido de Bolsonaro, o que ele está tentado criar é um veículo pessoal, bem na linha de outros líderes populistas da América Latina, como [o ex-presidente do Peru Alberto] Fujimori fez, um partido que era somente sobre ele mesmo.

O mesmo texto fala em resgatar o país da "degradação moral". A referência a padrões morais é um traço de partidos de extrema direita?

O foco na moralidade, em vez da cultura, é menos típico. Na maioria das vezes, a extrema direita se refere ao declínio da nação. É como se a nação estivesse se degenerando, algo quase racial. Agora, Bolsonaro tem um discurso religioso forte, especialmente devido ao papel dos evangélicos, que explica seu foco na degeneração moral.

Há em Bolsonaro, e em alguns outros políticos de extrema direita mais recentemente, um maior conservadorismo religioso com conotação cristã. Você vê isso um pouco em Trump, mas também no [partido] Fidesz, na Hungria. Mas não é algo que tradicionalmente é forte no partidos de extrema direita na Europa.

É possível comparar Bolsonaro a outro líder da extrema direita no mundo?

Para entender bem a extrema direita é preciso entender os contextos políticos nacionais. O sucesso de Bolsonaro é uma história específica brasileira. Se Lula tivesse sido candidato, provavelmente não haveria um presidente Bolsonaro, e talvez sem o episódio da facada também não. Não há um determinismo puro ligado a tendências globais.

Mas, em diversos aspectos, há similaridades entre Bolsonaro e Trump, no sentido de que ambos buscam ser a voz de um movimento amplo e ao mesmo tempo têm ligações com o establishment. Também ambos trabalham muito com seus familiares e são rudes de uma forma que atrai as pessoas. Por outro lado, há um aspecto típico de Bolsonaro que é o seu passado militar, e como isso se relaciona com a ditadura militar. Isso não é comparável com outros países como os Estados Unidos e a França, e tem um papel importante tanto para atrair apoiadores como despertar o medo de oponentes.

Há algum outro traço em Bolsonaro determinante para seu sucesso?

Um dos eixos do meu livro é o debate de gênero na extrema direita. É algo muito importante para Bolsonaro e se encaixa no contexto de guerra cultural. Opiniões como as de Bolsonaro sobre questões de gênero e direitos LGBTQ são fundamentais para muitos políticos de extrema direita, especialmente os de fora da Europa ocidental. É parte de uma narrativa nacionalista, como se eles estivessem defendendo o Brasil verdadeiro contra essas ideias perversas que vêm do exterior para enfraquecer a nação. E elas ressoam com muita força em esferas conservadoras e religiosas, como se seus valores estivessem sendo desafiados por um ataque global.

Que o papel do debate econômico nas plataformas de extrema direita?

Em geral, fatores econômicos são secundários e vistos pela lente de questões socioculturais. Mas, durante crises econômicas, o apoio a esses partidos cresce, mesmo que o argumento seja baseado em questões morais ou culturais. Por exemplo, a economia do país está piorando porque há mais imigrantes, ou porque há muita corrupção e crime. O sentido puramente econômico, de que o sistema está errado e precisa ser revisto, é secundário.

Como democracias liberais podem se defender da extrema direita sem ferir seus próprios valores?

Esse é o maior desafio. Elas podem fazer isso somente por meio do fortalecimento da própria democracia liberal, em vez de tentar enfraquecer a extrema direita. Uma das razões pelas quais a extrema direita tem hoje uma influência acima de seu peso real na sociedade é que eles são a voz mais alta em um espaço de debate político estreito.

A maior parte dos grandes partidos tem poucas narrativas ideológicas hoje em dia. É o que se chama política TINA ["There is no alternative", não há alternativa]. Instituições-chave, como a economia neoliberal e a integração europeia, são defendidas com o argumento de que a alternativa é pior. Isso não irá atrair as pessoas e não vai deixá-las longe da extrema direita. Precisamos encontrar narrativas liberais democráticas fortes novamente, seja nos partidos conservadores, nos liberais, nos social-democratas ou nos verdes.

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Autor: Bruno Lupion