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"Somos todos drags", diz artista brasileira radicada em Colônia

Rayna Breuer (rc)

23/02/2020 10h02

"Somos todos drags", diz artista brasileira radicada em Colônia - Nascida no Brasil como André, a drag queen Catherrine Leclery encanta o público com sua maquiagem, salto alto e o balanço dos quadris. Ela fala sobre arte drag, amor e os carnavais do Rio e de Colônia.Batom, rímel, pó de arroz: na mala de fibra dura estão em torno de 100 acessórios. Ele retira cada item e os coloca sobre uma penteadeira com cuidado, precisão: tudo tem o seu lugar. Nos próximos 45 minutos, André se transformará em Catherrine, como quase todos os dias.

Cada movimento é como se coreografado: peruca, salto alto, trajes elegantes. "É hora do show, baby", exclama. Catherrine Lecrery está pronta para a noite. "Todos viemos ao mundo nus, o resto é drag", é uma das famosas frases de RuPaul, apresentadora americana que dita as tendências na cena drag. Também para Catherine Lecrery, isso está bem claro.

"Somos todos drags. Há mulheres que colocam maquiagem quando vão a um bar, vestem saltos altos, enfeitam os cabelos, colocam joias. Os homens fazem a barba, vestem roupa chique. Isso tudo também é um tipo de drag." Ela se vê como artista: "Gosto de me transformar e chocar as pessoas de um modo positivo", afirma.

Catherrine nasceu André, no sul do Brasil. Em 1995, viajou de férias para a Alemanha com a mãe, para visitar um amigo em Düsseldorf, com a passagem de volta no bolso e uma peruca na bagagem. Mas a coisa correu diferente do planejado.

Visitando um bar brasileiro, ela foi descoberta e, poucos dias mais tarde, contratada. "'Oh, que generoso', pensei. 'Isso é um mês de salário?' 'Não', disse o promoter. 'Essa é sua diária.' Eu simplesmente me virei, deu um beijinho na mãe e disse: 'Vou ficar aqui.'"

Desde então Catherrine Leclery faz turnês não só pela Alemanha, mas por todo o mundo, um show após o outro. Estridente, barulhenta, divertida. O ano de 2019 foi bem especial para ela, ao ser a primeira drag queen a dançar no carro de abertura num desfile de Carnaval do Rio de Janeiro. Foi uma grande honra e um enorme passo rumo à aceitação e tolerância.



Comparando carnavais: Rio versus Colônia

"A Mangueira é uma das melhores e mais tradicionais escolas de samba do Brasil. Existe há 90 anos, e eu pude estar lá. Foi fantástico. Eu estava em todos os canais de TV, as reações foram todas positivas", conta Catherrine. Também em 2020, ela viajará para o Carnaval carioca. "Colônia é minha casa, eu moro aqui e me sinto superconfortável, mas, no Carnaval eu voo para o Brasil."

"O Carnaval no Brasil é um grande espetáculo, sem dúvida", sorri Leclery. Ela vai virar as costas para o carnaval de Colônia, não só porque o clima no Rio é bem mais quente e ensolarado do que o da região do Reno.

"No Brasil, não precisamos de caipirinha para nos divertir. A dança e o samba estão no nosso sangue. Aqui na Alemanha, se precisa de muita cerveja para se soltar. Fico super surpresa quando vejo as pessoas já caindo de bêbadas ao meio-dia. Gente, está só começando! Acho isso uma pena."

Mas, a alegria que demonstra em relação ao Brasil nem sempre existiu, principalmente na infância, quando Catherine ainda buscava seu caminho. Sem maquiagem, peruca nem sapatos de salto alto, André conta sobre sua infância no Brasil: "Eu era negro e gay. Você tem que ser muito forte e ter muito colhão nas calcas. Tem que lutar e seguir em frente. E dizer a si mesmo, vez após vez: 'Não me importo com o que os outros digam ou pensem. Sigo meu caminho.'"

O pai abandonou a família quando ele tinha apenas dez anos. Por muito tempo, a mãe não soube lidar com o fato de ele ser gay, tentou levá-lo a um psiquiatra. Apenas a avó, a cujo lado ele cresceu a maior parte do tempo, o fez andar de cabeça erguida e o aceitou como era.

Desde cedo, André teve de aprender a lidar com a homofobia. "Não apenas no Brasil, mas também na Alemanha, me confronto com comentários homofóbicos. Também aqui em Colônia, mesmo que muitos achem que Colônia é liberal. As pessoas estão muito agressivas hoje em dia. Acho que elas precisam de um pouco mais de mais amor."

Aceitação, encarar o outro positivamente, respeito às diferenças, é o que deseja Catherrine Leclery. Para as drag queens, a situação não é tão pesada: elas se travestem, representam uma figura, fazem um espetáculo e se apresentam como artistas. Já os transexuais, enfrentam dificuldades bem maiores na sociedade, observa Leclery. "Eles não são bem vistos, nem na rua nem no trabalho. Não são aceitos, não são compreendidos, ao contrário de uma drag queen, que é uma figura artística que deixa de existir após o show."



"Mamãe, que é isso?"

Seu objetivo é esclarecer as coisas, conversar com as pessoas. Ela tem essa oportunidade quase todos os dias no restaurante Oscar em Colônia, onde trabalha como recepcionista, com a função de encaminhar os convidados a suas mesas e cuidar das reservas. "As pessoas costumam vir tirar fotos comigo. Alguns ficam mais tensos, mas quando veem os outros me dando beijos e abraços, também ficam querendo um beijo meu."

Também há os mais arrogantes e impertinentes. Mas, mesmo com esses, Leclery consegue se relacionar bem, reagindo com educação, mas também com firmeza. A única coisa que ela quer, é respeito.

O mais bonito de tudo, conta, são as crianças. "Às vezes elas perguntam: 'Mamãe, o que é isso? Um homem ou uma mulher?' Os pais normalmente reagem constrangidos, mas eu sempre dou uma explicação para as crianças, porque elas querem uma resposta, e nós lhes devemos uma resposta."

"Eu lhes digo: 'Você já esteve no circo e viu um palhaço? Ele tinha maquiagem e nariz vermelho? Ele é um artista. Eu sou a mesma coisa, mas sem o nariz vermelho e com cabelo.' Na maioria das vezes os pais me agradecem. Só explicando as coisas para as crianças elas vão crescer mais abertas, sem preconceitos." Pois, afinal, somos todos drags – de um jeito ou de outro.

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Autor: Rayna Breuer (rc)