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Bolsonaro mostra desprezo pelas instituições democráticas

Thomas Milz

27/02/2020 09h15

Bolsonaro mostra desprezo pelas instituições democráticas - Com as manifestações de 15 de março, Bolsonaro coloca Congresso e Supremo Tribunal Federal contra a parede. Essas duas instituições colhem agora o que elas mesmas plantaram, avalia Thomas Milz.Foram convocados protestos em todo o Brasil para o dia 15 de março. Há vídeos na internet e ativistas postando convocações nas redes sociais para chamar a população às ruas.

O 15 de março não é qualquer data, especialmente quando se trata de manifestações. Em 15 de março de 2015, milhões de brasileiros foram às ruas para pedir o fim da corrupção e a defesa da Petrobras. Houve, também, os primeiros gritos pedindo o impeachment da então presidente Dilma Rousseff. Portanto, é uma data significativa.

No dia seguinte às manifestações, Dilma estendeu a mão aos manifestantes. Mesmo hostilizada por eles, ela disse: "Meu compromisso é governar para os 203 milhões de brasileiros, sejam os que me elegeram, sejam os que não votaram em mim".

Dilma foi até além naquele dia. "Muitos da minha geração deram a vida para que o povo pudesse, enfim, ir às ruas se expressar. Eu particularmente participei e tenho a honra de ter participado do processo da ditadura. Nunca mais no Brasil vamos ver pessoas, ao manifestarem sua opinião, sofrer consequências. Nunca mais isso vai acontecer."

Dilma respeitou as manifestações, que, ao longe dos 12 meses seguintes, levaram ao seu impeachment, ação que ela mesma viria a chamar de golpe.

Pode-se discutir se a palavra golpe é apropriada, levando em consideração que a presidente havia sido eleita, em 2014, pelo voto popular, mas o Congresso também foi. Portanto, ele também representa a vontade popular, e o instrumento do impeachment é previsto na Constituição. Como o orgão julgador não é um tribunal, mas de caráter político, a decisão de tirar Dilma da Presidência foi uma decisão política e não judicial.

Sem entrar na discussão se o impeachment foi um jogo sujo ou não, vale destacar que Dilma acatou a decisão das instituições do Estado democrático de Direito. Assim como antes, também, aceitara a legitimidade das manifestações contra o seu governo e a própria pessoa. Com essa decisão dolorosa, ela prestou um serviço às instituições democráticas, mesmo estando sob ataque destas.

Cinco anos depois, a situação é outra. E não só porque estamos hoje longe daquele dia de 2015, quando o dólar estava a R$ 3,22 e a taxa de desemprego era de 6,2%.

Hoje, diferentemente de 2015, há membros do governo endossando os protestos, na figura do general Augusto Heleno, que foi gravado, no dia 18, com a seguinte fala: "Nós não podemos aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo. Foda-se", disse aos ministros Paulo Guedes e Luiz Eduardo Ramos.

Com esse "foda-se" iniciou-se o movimento pelas manifestações do dia 15. Agora há também o próprio presidente da República chamando seus seguidores para protestar, nesse mesmo dia, contra as instituições – o Congresso e o STF – e a favor de si. "Resgatar o Brasil" é o slogan do vídeo que, segundo o jornal O Estado de S. Paulo, foi divulgado por Bolsonaro.

Entre os Bolsonaro, o desprezo pelas instituições democráticas parece ser coisa de família. "Se houvesse uma bomba H no Congresso, você realmente acha que o povo choraria?", perguntou um dos filhos do presidente, Eduardo, recentemente em seu Twitter. O mesmo Eduardo Bolsonaro já tinha declarado, em 2018, que "se quiser fechar o STF [...] manda um soldado e um cabo".

Vale lembrar: faz parte do repertório dos populistas acusar as instituições democráticas de não os deixarem governar plenamente. Todos fazem isso para enfraquecer o sistema democrático que os fez ser governo. Geralmente é um pretexto para acabar com o sistema democrático de "pesos e contrapesos", criado para equilibrar os poderes e essencial para o pleno funcionamento das instituições democráticas. Coisas que os populistas não querem.

A atuação do presidente tem resultado em críticas, principalmente do próprio STF, alvo das manifestações dos bolsonaristas. Celso de Mello, decano do tribunal, afirmou: "O presidente da República, qualquer que ele seja, embora possa muito, não pode tudo, pois lhe é vedado, sob pena de incidir em crime de responsabilidade, transgredir a supremacia político-jurídica da Constituição e das leis da República".

Ele está se referindo ao artigo 85 da Constituição, que diz que "são crimes de responsabilidade os atos do presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra: [...] o livre exercício do Poder Legislativo, do Poder Judiciário, do Ministério Público e dos Poderes constitucionais das unidades da Federação”.

Agora soam os alarmes. Mas me parece que o STF, como também o Congresso, perderam uma ótima oportunidade para mostrar que há linhas vermelhas que ninguém pode cruzar no sistema democrático. Foi no dia 17 de abril de 2016, na votação pela abertura do impeachment de Dilma Rousseff, que o então deputado Jair Bolsonaro declarou: "Em memória do coronel Brilhante Ustra, o meu voto é sim."

Ninguém quis punir Bolsonaro, naquela época, por ter atravessado a linha vermelha que separa a barbárie da civilização. Não punir tal ato foi o sinal claro de que tudo é permitido. Assim, abriu-se o precedente para denegrir a democracia brasileira e suas instituições. Ao mesmo tempo, a transgressão do dia 17 de abril de 2016 deu início à candidatura presidencial de Bolsonaro.

Ao não defenderem a honra da presidente Dilma Rousseff e, ao mesmo tempo, da democracia brasileira, o Congresso e o STF plantaram a semente. Desde então, estão colhendo o que plantaram. E no próximo dia 15, a colheita deverá ser grande.

Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.

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Autor: Thomas Milz