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A vida secreta do algoz do gueto de Cracóvia

Wojciech Szymanski, Tomasz Owoc (ca)

28/02/2020 16h24

A vida secreta do algoz do gueto de Cracóvia - O primeiro comandante do campo de concentração nazista de Plaszow, na Polônia, escondeu com sucesso sua identidade após a Segunda Guerra. Graças a uma parente, a verdadeira história de vida de Horst Pilarzik veio à luz.Um Mercedes esportivo com um homem atraente ao volante para na calçada. Perto dali, um jovem está à espera. O motorista sinaliza para o rapaz entrar, e eles aceleram. A cena ocorre no final dos anos 1950; o carro percorre rapidamente as ruas largas de uma Frankfurt recém-reconstruída. No centro da cidade, os prédios altos anunciavam um novo amanhecer. Ávidos clientes saciavam seu desejo de consumo nas zonas de pedestres lotadas. Aqueles eram os anos do milagre econômico alemão.

O motorista do carro é Horst Burkhart, um gerente de hotel com cerca de 40 anos. O jovem passageiro é seu sobrinho, Jochen, que provavelmente se impressionava com a vida que o tio levava. Horst era rico; saía com mulheres atraentes, levava-as a viagens de iate. Jochen e Horst se davam bem; eles geralmente se encontravam em Frankfurt à noite e iam a um bar. Horst gostava de beber.

Muitos anos depois, Jochen reluta em falar sobre esses encontros. Sua filha Christiane o encoraja, mas ele pede para esquecer, dizendo: "Oh, Chrissie, isso foi há tanto tempo." Na velhice, ele parece ter reprimido completamente suas memórias sobre o tio. Sempre que Christiane pergunta se ele sabe que Horst enviou centenas, senão milhares, de judeus a Auschwitz, Jochen responde automaticamente: "Sério? Isso é terrível", sempre parecendo surpreso.

"Murmurou-se o nome de Horst ao meu redor desde que eu era criança. A maneira como as pessoas falavam dele era tão estranha. Havia algo de errado ali", lembra Christiane Falge, filha de Jochen. Nascida em 1970, foi ela quem decidiu se opor à sua família e trazer à luz a história de Horst Burkhart. Ela mesma nunca o conheceu; ele morreu cinco anos antes de ela nascer.

"Toda a família sabia que Burkhart não era seu nome verdadeiro. Eles faziam um jogo de esconde-esconde. Sempre nos diziam para nunca revelar que o nome dele era Horst Pilarzik; não nos permitiam dizer que ele fazia parte da nossa família", lembra.

O algoz do gueto

Após as deportações do gueto de Cracóvia, em outubro de 1942, as forças de ocupação alemãs montaram um campo de trabalhos forçados no lugar de dois cemitérios judeus no distrito de Plaszow, nos arredores de Cracóvia, no sul da Polônia. Horst Pilarzik, um jovem subsargento da SS (força paramilitar ligada ao partido nazista), foi nomeado comandante do campo.

O oficial já havia sido membro da divisão de elite da SS "Leibstandarte Adolf Hitler". Em Plaszow, ele supervisionou um grupo de cerca de 200 trabalhadores que deixavam o gueto todos os dias para remover lápides e construir as barracas do campo de trabalhos forçados.

Mieczyslaw Pemper, um membro do conselho judaico designado pelos alemães, era prisioneiro no campo de Plaszow. Ele diz se lembrar de um homem que todo o gueto temia. Pilarzik teria matado um grupo de judeus quando eles voltaram ao gueto depois do trabalho.

Segundo o relatório oficial que Pemper fez na época, Pilarzik justificou que havia se formado recentemente na escola de treinamento da SS e foi a primeira vez em sua vida que ele viu tantos judeus. Ao testemunhar após a guerra sobre criminosos nazistas em Cracóvia, Pemper declarou que não havia "nada de bom a ser dito sobre Pilarzik".

Pilarzik ficou apenas algumas semanas no comando do campo. No início de 1943, ele foi substituído pelo sargento da SS Franz Josef Müller. Ele permaneceu em Cracóvia, no entanto, e participou da "liquidação" final do gueto em 13 e 14 de março de 1943. Duas mil pessoas morreram, e 1.500 foram enviadas para Auschwitz.



Roupas de prisioneiros

Hoje, Christiane Falge é professora universitária. Ela se lembra de ter ouvido falar sobre as roupas que Horst distribuía para parentes em Gliwice, cidade perto de Auschwitz, durante a guerra. "Ele trazia roupas e sapatos de criança como presentes para meu jovem pai [Jochen], que os usava. Botas infantis de boa qualidade, bons casacos de frio", conta Falge.

Ela suspeita que os itens teriam pertencido a prisioneiros em Plaszow ou Auschwitz. De que outra forma um homem da SS de Cracóvia teria se apossado de tais roupas naquela época?

Em meados de 1943, Horst Pilarzik se tornou auxiliar do terceiro comandante do campo, o capitão da SS Amon Göth. Pouco depois, ele foi transferido para Riga, na Letônia, possivelmente devido ao seu consumo excessivo de álcool.

Pemper conta ter ouvido Pilarzik bêbado gritando num cassino de Cracóvia: "Ninguém traz uma cadeira para um titular da Cruz de Ferro?" Ele recebeu uma cadeira, mas quando descobriram que Pilarzik não possuía tal medalha, ele foi afastado de Cracóvia. Outra história sugere que ele já foi encontrado bêbado dormindo na rua.

Fugindo da realidade

Dentro da família, sabia-se que Horst tinha problemas com álcool, era agressivo e tinha muitos casos com outras mulheres, relata Christiane Falge. "Sua vida após a guerra foi uma vida em fuga. Ele bebia, espancava mulheres, mudava-se frequentemente de cidade em cidade. Ele estava claramente com medo de que a verdade sobre seu passado acabasse vindo à tona."

Como Horst Burkhart, Pilarzik viveu em Berlim, Munique, Frankfurt e no Vale do Ruhr. Embora ele não tivesse qualificação profissional, encontrou trabalho bem remunerado em hotéis. Possuía um carro esportivo; velejava e montava cavalos. Mulheres bonitas o achavam atraente.

Mas seu passado sempre ameaçava vir à tona. A mãe de Falge se lembra da visita de dois homens na década de 1960, à procura de Pilarzik. Era a polícia? Eram agentes israelenses? Ele era procurado por instituições que caçavam criminosos de guerra. Seu caso também foi tratado pela Comissão Distrital de Investigação de Crimes Nazistas em Cracóvia – sem sucesso. Então, em 1965, Pilarzik morreu repentinamente.



Expondo os perpetradores

Sem a determinação de Falge, a vida pós-guerra de Pilarzik provavelmente teria permanecido em segredo. Em 2018, ela entrou em contato com o Museu de Cracóvia e contou a história de seu parente. Ela diz querer que o mundo saiba sobre os crimes dele. "É importante expor os perpetradores, como os comandantes de campos, e lembrar as pessoas da culpa deles", diz a professora.

Falge admite ter levado tempo para lidar com o capítulo nazista de sua história familiar. "Não acho que seja bom esconder esses crimes", diz ela. "Estou fazendo o possível para expor essa história e trazê-la à tona, e me sinto melhor assim. Os sentimentos ruins que minha família manteve em silêncio sobre Horst, o assassino em massa, não pesam tanto em mim quanto em meus familiares."

O trabalho de pesquisa de Falge se concentra na questão da diversidade. Ela trabalha em iniciativas para combater a discriminação e o racismo. A professora explica que quer criar seus filhos com valores como tolerância e humanismo, para que a ideologia nazista e coisas semelhantes nunca retornem.

"Em nossa casa, temos visitantes de todo o mundo. Para nossos filhos, é normal que nem todo mundo seja alemão e nem todo mundo fale alemão. Eles sabem que a diversidade é enriquecedora", explica Falge. Ela reflete por um momento. "Esta é provavelmente a coisa positiva que saiu dessa história."

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Autor: Wojciech Szymanski, Tomasz Owoc (ca)