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Crise do coronavírus é novo teste para solidariedade na UE

Melinda Crane (fc)

25/04/2020 11h01

Crise do coronavírus é novo teste para solidariedade na UE - Pandemia de covid-19 expõe deficiências na cooperação na área de saúde e coloca mais uma vez Estados-membros diante da questão, que encontra resistência sobretudo no norte, de ajudar financeiramente países mais afetados.A pandemia de coronavírus está em pleno curso na União Europeia (UE), e o bloco europeu se vê diante de um duplo desafio, que o presidente francês Emmanuel Macron chamou de "o momento da verdade" da UE.

Como os países-membros devem coordenar a política de saúde e as respostas econômicas para o futuro? Eles poderão demonstrar mais solidariedade na próxima fase de resposta a essa crise do que mostraram no seu início?

A DW se uniu à emissora de televisão France24 para perguntar o que França e Alemanha, frequentemente chamadas de "o motor da Europa", aprenderam nas primeiras semanas de gestão da crise e se estão dispostas a trabalhar em conjunto para impulsionar a recuperação econômica.

Quando o novo coronavírus começou a se espalhar pela Europa, foram os Estados-nação que deram os primeiros passos. Fronteiras internas da UE foram fechadas e as exportações de equipamentos médicos, interrompidas.

O deputado alemão Matern von Marschal, que representa a cidade de Freiburg, no sudoeste da Alemanha, no Bundestag (Parlamento), descreveu o impacto devastador da decisão, tomada em meados de março, de reimpor os controles na fronteira com a França.

"Cerca de 40 mil pessoas da região da Alsácia, na França, viajam diariamente para a minha região. Eles trabalham em lugares importantes, como hospitais", frisa Von Marschal. "Nós precisamos dessas pessoas e, de repente, elas não puderam mais vir."

Os cuidados de saúde são uma questão de nível nacional na UE, mas uma das consequências da crise atual é a necessidade de uma melhor coordenação precisamente quando os países exercem direitos, de resto soberanos, mas que geram consequências de longo alcance para todos.

No comitê franco-alemão para a cooperação transfronteiriça, Von Marschal quer insistir numa consulta mais estreita, sobretudo porque os controles de fronteiras têm um impacto político.

"Nós construímos uma comunidade de valores comuns, uma democracia. Só podemos manter isso se nos reunirmos e conversarmos", argumenta Von Marschal. "Se temos fronteiras e falamos de uma maneira diferente sobre o nosso vizinho, em breve poderemos já não o conhecer mais."

Sua preocupação parece justificada: visitantes franceses têm sido hostilizados em algumas cidades fronteiriças alemãs.

O setor da saúde é uma área em que a cooperação transfronteiriça vem trazendo benefícios. O médico de emergência francês Syamak Agha Babaei, que também é vereador em Estrasburgo, disse que a covid-19 apanhou os hospitais franceses despreparados.

Ele aproveitou a transmissão conjunta da France24 e da DW para dizer "obrigado" aos colegas alemães por aceitarem a transferência de dezenas de pacientes franceses que necessitam desesperadamente de cuidados intensivos.

"Eles nos ajudaram a continuar fazendo o nosso trabalho e a salvar pessoas com os leitos de cuidados intensivos que ainda nos restavam", diz Babaei. "Foi uma grande ação."

Ele disse que um olhar sobre os hospitais alemães, onde os leitos de terapia intensiva são muito mais abundantes e a taxa de mortalidade devido ao vírus é nitidamente inferior, prova que a França está pagando um preço humano elevado por defender a austeridade no setor da saúde.

"Nós tivemos a visão da política de saúde dos contabilistas durante os últimos 20 anos", afirma Babaei. "Há anos que nós, nos serviços de urgência, dizemos que precisamos de camas, enfermeiros, médicos e de mais gastos em estruturas de saúde pública."

O político franco-alemão e copresidente do Partido Verde Europeu, Daniel Cohn-Bendit, diz que a Alemanha também aprendeu lições sobre os inconvenientes de se subvalorizar os profissionais de saúde, mas tem uma vantagem comparativa em sua abordagem fortemente federal sobre os cuidados de saúde.

"Se o dinheiro for bem gerido, e ele é bem administrado na Alemanha, onde há um ministro da Saúde em cada estado, então mesmo que se tenha menos dinheiro, pode-se fazer mais e organizar melhor a um nível descentralizado", diz Cohn-Bendit.

A palavra-chave na cúpula virtual da UE desta quinta-feira foi solidariedade – uma palavra que significa coisas distintas para cada país. Embora concordem com a magnitude da recessão e o consenso pareça crescer quanto à necessidade de uma injeção adicional de até 1,5 trilhão de euros na economia, os Estados-membros do norte e do sul entraram em conflito sobre a forma de financiar a recuperação econômica.

Macron se manifestou fortemente a favor da emissão de uma dívida conjunta. Apesar dos sinais de movimento em Berlim, Cohn-Bendit, por exemplo, não tem certeza se os dois países, outrora vistos como "motor" da Europa, estão realmente em sintonia nessa questão. E acrescenta: se não estiverem, o caminho ficará ainda mais difícil para a Europa.

Ele lembra que a Alemanha, uma nação exportadora, é a maior beneficiária da UE, e afirma que, pouco importa se o mecanismo será o uso de eurobonds conjuntos [também batizados de coronabonds] ou uma reconfiguração do quadro financeiro do bloco, está na hora de a Alemanha avançar e se comprometer.

"Nós precisamos compreender o significado psicológico disso para Itália, Espanha, Portugal e Grécia", argumenta Cohn-Bendit. "Eles querem ouvir que, para o fundo de recuperação, Alemanha, Holanda e Suécia estão dispostas a arriscar algo. A chanceler federal da Alemanha diz que sim, que claro que seremos solidários, mas só o podemos fazer se todos estiverem dispostos a garantir e partilhar o risco."

Como sinal de sua própria solidariedade, o Parlamento Europeu se ofereceu para deixar a França usar as suas instalações de Estrasburgo, atualmente fechadas devido ao isolamento social, como centro de testes da covid-19.

Babaei trabalha não muito longe do prédio do Parlamento Europeu. Olhando do seu escritório em casa para fora, através do rio Reno até a Alemanha, ele diz que espera que esta crise encoraje a Europa a colocar verdadeiramente as pessoas em primeiro lugar.

"Como podemos passar da visão de uma Europa econômica para a de uma Europa mais integrada, federativa e política?", questiona Babaei. "A parte social e ambiental será a mais importante nos próximos anos."

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Autor: Melinda Crane (fc)