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O fim de uma era para os arquivos da Stasi

Marcel Fürstenau

24/03/2021 06h24

O fim de uma era para os arquivos da Stasi - Arquivos da polícia secreta da Alemanha Oriental são legado da revolução pacífica que derrubou o regime comunista. Eles passarão agora para o Arquivo Nacional alemão, onde continuarão acessíveis.O número de solicitações para consultar os arquivos do Ministério da Segurança do Estado (MfS, em alemão) desde 1991 soma impressionantes 7.353.885. Quase a metade (46%) veio de pessoas que queriam saber o que a polícia secreta da Alemanha Oriental, popularmente conhecida como Stasi, sabia sobre elas, sua vida privada, suas opiniões políticas e até mesmo planos de fuga do país Tudo isso e muito mais pode ser encontrado nos relatórios dos informantes, que em 40 anos de República Democrática Alemã (RDA) somam 111 quilômetros de arquivos.

Na revolução pacífica de 1989, ativistas dos direitos civis da então Alemanha Oriental impediram que o espólio da Stasi fosse destruído. Graças ao seu empenho incansável, os arquivos foram abertos, apesar das fortes reservas do Ocidente. Um novo órgão foi criado especialmente para isso na Alemanha reunificada.



Seu nome oficial: Encarregado Federal para os Documentos do Serviço de Segurança do Estado da Antiga República Democrática Alemã. Coloquialmente, é mais conhecido como "agência dos arquivos da Stasi". Agora seu chefe, o terceiro na história do órgão, Roland Jahn, apresentou seu último relatório. O 15º Relatório de Atividades, como é o nome burocrático do documento, ao mesmo tempo encerra uma era.

Aniversário da queda do Muro de Berlim acelerou interesse

Após vários anos de debates, o Bundestag decidiu em novembro de 2020 que, a partir de 17 de junho de 2021, a agência será dissolvida, sendo que os documentos serão incorporados ao Arquivo Nacional da Alemanha.

Em 2020 houve 23.686 pedidos de consulta, sendo que no ano anterior haviam sido 35.554. O número comparativamente alto para 2019 provavelmente se deve ao 30º aniversário da queda do Muro de Berlim. O mesmo fenômeno pôde ser observado no 25º aniversário. Aparentemente, a forte presença dos acontecimentos históricos na mídia desencadeia em muitas pessoas a vontade de se ocupar mais intensamente com o próprio passado.

Especialmente para pessoas da Alemanha Oriental, a Stasi desempenhou um papel muitas vezes doloroso. "Algumas pessoas precisam de muito tempo para lidar com o que aconteceu na sua vida", diz Jahn. Entre os requerentes, 20% são parentes de pessoas já falecidas que querem se informar sobre os pais ou avós na Alemanha dividida.

Modelo para ex-ditaduras

Mas a Stasi não é tema apenas na Alemanha Oriental, o que se reflete nas mais de 400 mil solicitações para examinar os arquivos que vêm da antiga Alemanha Ocidental, ou seja, mais de 12% dos pedidos. O interesse global pelos arquivos da Stasi também é grande: cerca de 21 mil pedidos vieram de cem países. A agência não sabe informar muito sobre esses requerentes. Supõe-se que se trate de pessoas cujo passado esteja relacionado à Alemanha Oriental. Após a queda do Muro, muitos se mudaram para a Alemanha Ocidental ou mesmo para outros países.



O resgate dos arquivos da Stasi é uma história de sucesso admirada em todo o mundo. O caso serviu a muitos países da Europa Oriental, mas também da América Latina e do Oriente Médio, como modelo para lidar com o próprio passado de ditadura. Graças aos arquivos abertos, os perpetradores podem ser descobertos e levados a tribunal. Na melhor das hipóteses, as vítimas encontram evidências de como suas carreiras foram bloqueadas por motivos políticos. Portanto, a reparação é possível caso a caso − pelo menos financeiramente.

Consultas ainda são possíveis

O trabalho da agência não mudará mesmo depois que essa instituição única for incorporada ao Arquivo Nacional. Embora percam independência, os arquivos permanecerão acessíveis para as muitas vítimas de arbitrariedades da RDA, bem como para pesquisadores e jornalistas.Também até 2030 continuará possível verificar se funcionários do serviço público alemão-oriental tinham algum envolvimento com a polícia secreta.

Ao contrário dos primeiros dez anos da entidade, revelações espetaculares sobre o envolvimento com a Stasi se tornaram raras nos últimos anos. O primeiro responsável pela agência foi o ativista dos direitos civis da RDA e mais tarde presidente alemão Joachim Gauck. Em 2011, ele foi seguido no cargo por Marianne Birthler, que também era ativa na oposição da Alemanha Oriental. Jahn, deportado contra sua vontade pela Alemanha Oriental para a Ocidental em 1983, é o terceiro e último chefe do arquivo da Stasi.

Críticos, como o ex-porta-voz da agência Christian Booss, consideram um erro a incorporação ao Arquivo Nacional. "A pesquisa sobre a Stasi foi concluída", disse o historiador à DW. Alegações em contrário são, segundo ele, um "embuste". Ele considera uma omissão grave o fato de a reconstituição dos arquivos rasgados com o auxílio de computador estar "factualmente morta". Um pedido nesse sentido, aprovado pelo Parlamento, não foi implementado. Jahn gostaria que o trabalho prosseguisse, mas ele admite problemas técnicos. E parece incerto se isso algum dia será resolvido.

Booss dirige agora o Comitê de Cidadãos 15 de Janeiro, uma associação que tem por objetivo manter a antiga sede da Stasi em Berlim. Na opinião dele, o Arquivo Federal, como futuro administrador dos arquivos da Stasi, assume um "legado complicado". Jahn, por outro lado, considera infundados os temores de que acabem as pesquisas nos arquivos da temida polícia secreta. "A visibilidade do arquivo de registros da Stasi, com sua função de modelo internacional, será mantida mesmo após a integração ao Arquivo Federal."

Em vez de um chefe para os arquivos da Stasi haverá no futuro um encarregado federal para as vítimas da ditadura do SED, o partido dominante da Alemanha Oriental. O mandato de Jahn termina em 17 de junho, data cuidadosamente escolhida por ser o dia da revolta popular de 1953 na RDA, então reprimida com o apoio de soldados soviéticos. A segunda revolução na Alemanha dividida, em 1989, seria bem-sucedida, marcando o fim da ditadura comunista e culminando com a Reunificação.


Autor: Marcel Fürstenau