Esse conteúdo é antigo
Europa fechou a porta do diálogo ao Brasil - e isso é errado
Europa fechou a porta do diálogo ao Brasil - e isso é errado - Em meio a críticas europeias ao governo Bolsonaro, que são justificáveis, o diálogo acabou bloqueado. A China aproveitou - e ganha cada vez mais influência através da agenda de sustentabilidade, escreve Alexander Busch.Ultimamente tem havido títulos incomuns para seminários no Brasil. "Economia Pós-Fóssil: Perspectivas para o 14º Plano Quinquenal e a Cooperação Sino-Brasileira" foi o título de um evento recente. Outro, o "Diálogo Brasil-China sobre Agricultura Sustentável", se estendeu por dois dias com participantes de destaque. Apareceram ministros, assim como renomados economistas e banqueiros estatais da China. Os tópicos em pauta são sustentabilidade nas relações comerciais, cadeias comerciais certificadas na agricultura e alimentos, descarbonização da economia, alimentos orgânicos e até redução de queimadas na Amazônia.
Todos esses são temas que – pensamos nós, europeus – na verdade seriam parte firme da agenda bilateral entre Brasil e Europa. Mas isso é coisa do passado.
Agora dificilmente o Brasil passa uma semana sem ser colocado na berlinda na Europa. O foco principal está nas políticas ambientais e amazônicas de Bolsonaro. A crítica direta é justificada – não há dúvida disso. Mas, enquanto isso, surge a questão se nós, europeus, ainda estamos procurando ou se sequer de fato queremos um diálogo com o Brasil.
Tomemos o acordo de livre comércio UE-Mercosul como exemplo. No momento, não há nenhuma chance de que ele seja ratificado. Os governos da Áustria e da França já anunciaram que não o assinariam. As empresas europeias de alimentos estão apelando para que a União Europeia use seu poder regulatório para impor regras internacionais contra queimadas.
Dialogar é uma coisa totalmente diferente. A Europa, ao invés disso, fechou as portas para o Brasil.
Pequim está agora explorando de forma inteligente esta lacuna. Diplomatas chineses lançaram uma ofensiva de diálogo sobre meio ambiente e sustentabilidade.
Isso é estrategicamente inteligente. Afinal de contas, a superpotência asiática é o parceiro comercial mais importante do Brasil, ao lado dos EUA e da Europa, e um investidor cada vez mais influente. Mas as relações entre China e o Brasil também estão arranhadas. O presidente Jair Bolsonaro vem lançando ataques de motivação ideológica e populista contra a China.
Mas, sem se preocuparem, os diplomatas da China estão trabalhando com representantes do governo e da comunidade empresarial do Brasil em uma nova agenda de sustentabilidade. Para este fim, a China está oferecendo financiamento e quer estabelecer um intercâmbio institucional permanente de informações entre os dois países.
Isso deve ocorrer em todos os níveis, entre governos, empresários, agricultores e consumidores. Como esperado, tópicos como os direitos indígenas ou os direitos humanos não serão discutidos. Vários representantes de alto nível de empresas, ministérios e institutos de pesquisa do Brasil estão envolvidos, os quais nós, europeus, também gostaríamos de ver em um diálogo.
Mas de agora em diante, a China terá voz no Brasil sobre as questões do meio ambiente, proteção ao consumidor e sustentabilidade, e ajudará a determinar normas e regras futuras no intercâmbio descarbonizado de mercadorias.
Através das questões de sustentabilidade, a China traz inteligentemente sua agenda político-tecnológica para a discussão bilateral, sem tocar imediatamente nos pontos nevrálgicos habituais. Palavra-chave: a participação da Huawei na rede 5G. Afinal de contas, quem pode ser contra redes de telefonia móvel mais rápidas se elas permitem uma agricultura inteligente ou ajudam a construir cadeias de fornecimento certificadas e sustentáveis?
Nós, europeus, devemos ter cuidado para não perder toda a influência no Brasil por causa de nossa falta de vontade de dialogar.
--
Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Clique aqui para ler suas colunas.
Autor: Alexander Busch
Todos esses são temas que – pensamos nós, europeus – na verdade seriam parte firme da agenda bilateral entre Brasil e Europa. Mas isso é coisa do passado.
Agora dificilmente o Brasil passa uma semana sem ser colocado na berlinda na Europa. O foco principal está nas políticas ambientais e amazônicas de Bolsonaro. A crítica direta é justificada – não há dúvida disso. Mas, enquanto isso, surge a questão se nós, europeus, ainda estamos procurando ou se sequer de fato queremos um diálogo com o Brasil.
Tomemos o acordo de livre comércio UE-Mercosul como exemplo. No momento, não há nenhuma chance de que ele seja ratificado. Os governos da Áustria e da França já anunciaram que não o assinariam. As empresas europeias de alimentos estão apelando para que a União Europeia use seu poder regulatório para impor regras internacionais contra queimadas.
Dialogar é uma coisa totalmente diferente. A Europa, ao invés disso, fechou as portas para o Brasil.
Pequim está agora explorando de forma inteligente esta lacuna. Diplomatas chineses lançaram uma ofensiva de diálogo sobre meio ambiente e sustentabilidade.
Isso é estrategicamente inteligente. Afinal de contas, a superpotência asiática é o parceiro comercial mais importante do Brasil, ao lado dos EUA e da Europa, e um investidor cada vez mais influente. Mas as relações entre China e o Brasil também estão arranhadas. O presidente Jair Bolsonaro vem lançando ataques de motivação ideológica e populista contra a China.
Mas, sem se preocuparem, os diplomatas da China estão trabalhando com representantes do governo e da comunidade empresarial do Brasil em uma nova agenda de sustentabilidade. Para este fim, a China está oferecendo financiamento e quer estabelecer um intercâmbio institucional permanente de informações entre os dois países.
Isso deve ocorrer em todos os níveis, entre governos, empresários, agricultores e consumidores. Como esperado, tópicos como os direitos indígenas ou os direitos humanos não serão discutidos. Vários representantes de alto nível de empresas, ministérios e institutos de pesquisa do Brasil estão envolvidos, os quais nós, europeus, também gostaríamos de ver em um diálogo.
Mas de agora em diante, a China terá voz no Brasil sobre as questões do meio ambiente, proteção ao consumidor e sustentabilidade, e ajudará a determinar normas e regras futuras no intercâmbio descarbonizado de mercadorias.
Através das questões de sustentabilidade, a China traz inteligentemente sua agenda político-tecnológica para a discussão bilateral, sem tocar imediatamente nos pontos nevrálgicos habituais. Palavra-chave: a participação da Huawei na rede 5G. Afinal de contas, quem pode ser contra redes de telefonia móvel mais rápidas se elas permitem uma agricultura inteligente ou ajudam a construir cadeias de fornecimento certificadas e sustentáveis?
Nós, europeus, devemos ter cuidado para não perder toda a influência no Brasil por causa de nossa falta de vontade de dialogar.
--
Há mais de 25 anos, o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul do grupo editorial Handelsblatt (que publica o semanário Wirtschaftswoche e o diário Handelsblatt) e do jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em São Paulo e Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil. Clique aqui para ler suas colunas.
Autor: Alexander Busch
ID: {{comments.info.id}}
URL: {{comments.info.url}}
Ocorreu um erro ao carregar os comentários.
Por favor, tente novamente mais tarde.
{{comments.total}} Comentário
{{comments.total}} Comentários
Seja o primeiro a comentar
Essa discussão está encerrada
Não é possivel enviar novos comentários.
Essa área é exclusiva para você, assinante, ler e comentar.
Só assinantes do UOL podem comentar
Ainda não é assinante? Assine já.
Se você já é assinante do UOL, faça seu login.
O autor da mensagem, e não o UOL, é o responsável pelo comentário. Reserve um tempo para ler as Regras de Uso para comentários.