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1986: Morria o artista alemão Joseph Beuys

23/01/2022 06h13

1986: Morria o artista alemão Joseph Beuys - Joseph Beuys, um dos artistas alemães que mais influenciaram as gerações futuras, morreu no dia 23 de janeiro de 1986, deixando uma extensa obra em museus de todo o mundo.É difícil dissociar a pessoa Joseph Beuys (1921–1986) de sua obra. Até a marca registrada deste artista-personagem de si mesmo – o chapéu Stetson ­– fazia parte de um amplo programa estético: "Neste momento, eu mesmo sou a obra de arte. Apenas insinuo uma direção no desdobramento, ou seja, indico que, nesta realização de tornar o mundo uma obra de arte, qualquer pessoa pode fazer parte, em potencial. Daí toda esta história de chapéu, que encaro como a tragicomédia da arte do nosso tempo".

"Qualquer pessoa é artista"

Com esta famosa máxima, geralmente mal entendida, Beuys se aproximava da concepção de arte do movimento Fluxus, do qual fez parte, mas também se manteve distante. A idéia era abolir a hierarquia entre artista e observador, produtor e consumidor, destacando o papel ativo e criador da recepção.

Apesar de o Fluxus europeu, cujo importante centro foi Düsseldorf, cidade onde Beuys vivia, ter optado por não incluir o público diretamente em seus happenings, ao contrário da corrente americana, o impulso era promover o observador participante a co-autor da obra.

Contraditoriamente, Beuys foi um grande encenador de sua imagem como artista à parte, com sua aura messiânica, verve de pregador e iniciativa de líder político. Com uma "concepção de arte ampliada" e a idéia de "escultura social", o artista radicalizou as fortes tendências artísticas dos anos 60 que priorizavam o processo de criação e de atuação política à criação de um objeto de arte consumível.

"Os mistérios ocorrem na estação ferroviária"

O ativismo de Beuys, que a partir de 1961 assumiu a cadeira de Escultura da Academia Estatal de Arte de Düsseldorf, onde ele mesmo havia estudado, se mesclou ao movimento estudantil. Em 1967, Beuys criou o Partido Estudantil Alemão, em reação ao assassinato do estudante Benno Ohnesorg, baleado pela polícia numa manifestação em protesto à visita do xá do Irã Reza Pahlevi, em Berlim.

Contrário à submissão da educação a estruturas institucionais, Beuys começou sua guerrilha dentro da universidade onde ensinava, permitindo em sua classe alunos reprovados no exame de aptidão. Em 1972, após ocupar a secretaria da universidade com um grupo de estudantes reprovados, exigindo sua admissão, Beuys foi demitido do cargo pelo então secretário de Ciência e Pesquisa do estado alemão da Renânia do Norte-Vestfália e futuro presidente da Alemanha, o social-democrata Johannes Rau.

"Democracia é uma coisa engraçada"

Após uma longa disputa jurídica, onde contou com o apoio público de artistas e escritores como Gerhard Richter, Heinrich Böll e Peter Handke, Beuys foi reabilitado, reassumindo sua cadeira em 1978. A carreira política do artista prosseguiria com as candidaturas ao Parlamento da Europa (1979) e ao Legislativo do estado da Renânia do Norte-Vestfália (1980) pelo recém-fundado Partido Verde. Sua missão educativa se expandiria com a criação da "Universidade Internacional Livre", palco de muitos de seus projetos e atuações.

Ao mesmo tempo em que propagava uma democracia de base, uma reivindicação central de agrupamentos fundados por ele, como a Organização dos Não Eleitores (1970) e a Organização por Democracia Direta através de Plebiscito, entre outros, Beuys era criticado por seus correligionários por seu suposto messianismo, prática demagógica, intolerância e tentativa de personalizar em sua própria figura ações coletivas.

"O cosmos é o enigma; o ser humano, a solução"

Não são poucas as histórias que contribuíram para a criação da aura em torno de Beuys. Mas há uma fundamental. Nascido em Krefeld, em 12 de maio de 1921, ele optou espontaneamente por lutar na Segunda Guerra, sendo recrutado em 1940.

Em 1943, o avião de guerra onde ele fora escalado como operador de rádio caiu na Crimeia, onde foi salvo por moradores locais. Segundo sua versão da história, considerada fantasiada por alguns, o que o salvou foi o fato de os nativos tártaros o terem coberto de gordura e enrolado em feltro.

Feltro, gordura, cobre e cera, materiais básicos na obra de Joseph Beuys, são recombinados nos mais diversos objetos, instalações e performances, ao lado de materiais perecíveis, que sujeitam o objeto de arte à transformação ao longo do tempo.

Por maior que seja a ênfase na matéria, os processos invisíveis implícitos na concepção de suas obras, derivados da alquimia e da antroposofia, atribuem um caráter ritualístico ao processo de criação artística, transferindo para o objeto uma força a ser retransmitida ao receptor.

"Arte = Capital"

Entre as idiossincrasias de Beuys está a mistura de repertórios dificilmente compatíveis, pelo menos no senso comum: simbologia cristã e marxismo, Ocidente e Oriente (uma junção cristalizada na ideia ampliada de Eurásia, presente em algumas de suas performances e instalações), mitologia celta e Fluxus, um ecletismo também evidente no repertório das suas referências históricas, teológicas e estéticas, de Ignácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, a Gengis Khan, soberano mongol, passando pelo gângster americano John Dillinger e o marco da literatura moderna James Joyce.

Apesar de ter aberto caminhos fundamentais para a arte contemporânea com sua "concepção de arte ampliada", Joseph Beuys dificilmente pode ser imitado. Talvez pelo fato de o seu trabalho ser tão radicalmente uma consequência direta da sua pessoa.

"Minha arte é política de libertação"

"Assim como o ser humano não existe, mas tem que surgir primeiro, a arte também tem que surgir, pois ainda não existe", diz uma das máximas do artista, para quem o objeto de arte não deveria se prender a nenhuma regra apriorística ao processo de criação. "Intuição em vez de livro de receitas", diz a outra máxima.

A obra de Beuys, representada nos mais importantes museus internacionais de arte moderna e contemporânea, está em grande parte concentrada nos arredores de Kleve, no oeste alemão, onde ele viveu. O museu de arte do Castelo Moyland, nas imediações, tem o maior acervo do artista, seguido pelo Museum Kurhaus Kleve, o Block Beuys, em Darmstadt, os museus de arte de Bonn e Düsseldorf, Museu Ludwig, em Colônia, e Galeria Staedel, em Frankfurt. O museu de arte contemporânea Hamburger Bahnhof, em Berlim, abriga o arquivo de mídia do artista.
Autor: Simone de Mello