Tragédia em São Sebastião: 'Como vamos construir tudo de novo?'
Quem sobreviveu na Vila Sahy tenta salvar o que pode. Roupas, móveis, eletrodomésticos, bicicletas, fotos de família e berços são carregados pelas vias ainda cobertas de lama para um lugar mais seguro.
"Arrumaram um lugar para a gente colocar nossas coisas. Eu estou dormindo num colégio", diz Jorge da Silva, de 61 anos, enquanto retira os pertences da casa onde morou nos últimos 30 anos.
Nascido em Ilhéus, na Bahia, Silva se mudou para São Sebastião atrás de trabalho. Quando chegou, na década de 1990, havia três casas na área.
"A gente lutou tanto para construir o que é da gente, e em meia hora acabou tudo. Como vamos construir tudo de novo? Começar tudo do zero? Sem ter onde [construir]?", lamenta, emocionado.
Em todo o município litorâneo, 1.845 pessoas tiveram de deixar suas residências e estão abrigadas em escolas, creches, igrejas e ONGs.
Geografia do desastre
Localizada a cerca de 50 quilômetros do centro de São Sebastião, a Vila Sahy avançou pelas encostas da Serra do Mar à medida que novos moradores foram chegando nas últimas décadas. Muitos vieram dos estados da Bahia, Maranhão e Piauí em busca de melhores condições de vida.
Alertada pelo Ministério Público em 2021 sobre a tragédia iminente por conta das moradias precárias que se espalhavam no local sem supervisão ou planejamento do poder público, a prefeitura congelou o núcleo e prometeu regularizar a situação.
"A gente estava com esperança de que finalmente seria tudo regularizado, mas não deu tempo", conta Ana Paula Dias, que trocou Iuiú, na Bahia, pelo litoral paulista.
Dona de uma mercearia na parte mais plana do bairro, Dias não esquece o que viveu naquela madrugada. "Foi muito choro, muito desespero, muito pedido de socorro, muita gente gritava que lá em cima tinha muita gente morta, que tinham caído muitas casas. Na Vila Sahy, a população é muito boa, são pessoas que vêm do interior, que já sofreram muito", diz.
Muitos deles trabalhavam perto dali. Do outro lado da rodovia Rio-Santos, mais perto da praia, as casas de alto padrão da Barra do Sahy empregavam parte da mão de obra disponível na vila - e resistiram praticamente ilesas à tempestade.
Doações e acolhida
As salas do Instituto Verdescola, o prédio mais imponente da Vila Sahy, se transformaram em abrigo. A ONG também abriga uma espécie de hospital temporário, onde feridos que escaparam dos deslizamentos receberam os primeiros atendimentos.
"Minha esposa conseguiu correr a tempo depois que a parede da nossa casa desabou com a água. Nosso filho tem 6 anos, é autista. Eu estava no trabalho quando tudo aconteceu. Meu vizinho sobreviveu porque uma árvore derrubou a parede do quarto dele e empurrou o colchão onde ele dormia para fora. Daí ele acordou e correu", conta um sobrevivente que prefere que seu nome não apareça na reportagem.
Do lado de fora do instituto, com entrada controlada pelo Exército, doações chegam de todos os cantos, e voluntários organizam a entrega de mantimentos em bairros vizinhos também afetados, como Boiçucanga. Caminhões-pipa também tentam trafegar pelas ruas estreitas, tomadas por viaturas e escavadeiras, para encher as caixas d'água das casas que estão de pé.
É na frente do instituto que moradores se encontram, choram juntos e buscam informações. Socorristas em troca de turno também passam por ali. No fim da tarde, ainda sujos de lama, oficiais dos bombeiros e da Defesa Civil comemoram a notícia da recuperação de um menino de 3 anos retirado vivo dos escombros no domingo. Ele foi encontrado no colo da mãe e ao lado do pai, mortos no local. Dois outros filhos do casal seguem desaparecidos.
Autor: Nádia Pontes (de São Sebastião)
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