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O que explica a explosão de incêndios na Amazônia

11/10/2024 08h03

O que explica a explosão de incêndios na Amazônia - Bioma concentra mais da metade dos 223 mil km² devastados pelo fogo no Brasil neste ano. Condições climáticas e ação criminosa ajudam a explicar fenômeno.Os incêndios pelo Brasil devastaram 223 mil km² de janeiro a setembro deste ano – uma área equivalente a quase 2,5 vezes o tamanho de Portugal. A Amazônia foi o bioma mais atingido, contabilizando mais da metade, 51%, da área queimada até agora em 2024. A extensão do estrago espanta até quem está acostumada a estudar o comportamento do fogo.

"É assustador. É um dado muito impactante comparando com os outros anos e o quanto de Floresta Amazônica foi queimada nesses meses", comenta Ane Alencar, diretora de Ciência do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

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Na Amazônia, em setembro foram queimados no bioma mais de 56 mil km², ao todo no ano já foram 113 mil km². No mês passado, foram devastados 30 mil km² dos 47 mil km² queimados este ano somente na floresta nativa – o que corresponde a cerca de 20% de toda a área destruída pelo fogo no país em 2024.

Alencar é uma das cientistas que analisa os dados coletados pelo Monitor do Fogo, do Mapbiomas. O levantamento mais recente, divulgado nesta sexta-feira (11/10), mostra que mais da metade da área queimada no Brasil (56%) fica em três estados: Mato Grosso, Pará e Tocantins.

A análise mostra que, na Amazônia, a situação foi mais crítica de janeiro a setembro em Terras Indígenas, grandes propriedades e florestas públicas não destinadas. O fogo nesta época não começa de forma espontânea, mas é iniciado por ação em humana em mais de 90% dos casos.

"Nas grandes fazendas, quando queima começa, há grande dificuldade para controlar o fogo", comenta Alencar.

O papel do clima

A extrema escassez de água e o calor intenso ao longo de todo o ano têm um papel-chave neste cenário, afirmam todas as fontes ouvidas pela DW. Segundo especialistas em clima, a seca já teria começado na primavera do ano passado, e a estação chuvosa, no início de 2024, chegou tarde e fraca.

"É um ano muito atípico. 2023 foi o mais quente da história e 2024 deve superá-lo. Esse calor e o déficit hídrico são fatores determinantes para aumentar o risco de incêndio", diz José Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Desenvolvimento do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden).

Em 2023, dez ondas de calor foram registradas no Brasil, sete delas chegaram depois de agosto. Até setembro de 2024, o país já enfrentou oito eventos do tipo. "O preocupante é que ainda teremos dois meses bastante quentes pela frente", alerta Marengo.

Em alguns pontos do Brasil, não há sinal de chuva há mais de um ano. As cidades de Barcelos e Santa Isabel do Rio Negro, no Amazonas, vivem 16 meses de seca, aponta o índice acompanhado pelo Cemaden. Isso diminuiu a umidade do solo, prolonga a estiagem porque plantas, lagos e rios transpiram menos – o que reduz a formação de nuvens de chuva.

"As condições climáticas certamente têm um peso grande. Numa situação como essa, qualquer ‘foguinho' vira um grande incêndio. As chamas escapam e queimam grandes áreas", comenta Alencar.

Bombeiros e brigadistas costumam se referir ao fenômeno "30, 30, 30" para calcular o risco de incêndio. O primeiro deles diz respeito à temperatura: quando ela atinge ou ultrapassa os 30°C, o ar fica mais seco e facilita a propagação do fogo. O outro é a marca em percentagem da umidade relativa do ar que, quando é menor que 30%, a vegetação fica mais inflamável. O terceiro tem a ver com a velocidade do vento, um "propagador" de chamas quando chega a 30 km/h.

A ligação com o desmatamento

Pesquisadores buscam também entender o que mais pode explicar a existência de tantos focos de calor mesmo com o desmatamento na Amazônia em queda. Historicamente, o fogo é usado para limpar a área depois que as árvores são cortadas principalmente de forma criminosa.

"Se a gente não tivesse reduzido o desmatamento na Amazônia nesses dois anos, eu diria que hoje estaríamos numa situação absolutamente catastrófica. Teríamos muitos incêndios que realmente já teriam totalmente perdido o controle e queimado 100% de área de floresta", argumenta André Lima, secretário de Controle dos Desmatamentos e Ordenamento Ambiental e Territorial do Ministério do Meio Ambiente (MMA).

Dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) indicam que, de janeiro a setembro, houve redução de 24% de derrubada da Amazônia em relação ao mesmo período anterior. Ainda assim, a área de florestas atingidas pelo fogo cresceu de uma média de 10% para 35% do total, admite Lima.

Quando olha para os gráficos, Ane Alencar vê semelhanças entre 2024 e 2010, que registrou queimadas em nível semelhante ao atual. Naquele ano, o Brasil tinha quase o mesmo nível de desmatamento de agora e uma situação climática grave. Com um El Niño instalado e o aquecimento das águas do Atlântico Norte, a bacia Amazônica sofreu com a pior seca registrada até então.

"Isso indica que ter reduzido o desmatamento teve uma contribuição importante, caso contrário poderia haver muito mais fogo na paisagem", avalia Alencar.

Uma nova categoria de crime

A desconfiança é de que a facilidade para incendiar uma floresta mais seca tenha tornado o fogo uma arma. Beto Mesquita, engenheiro florestal e membro da Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura, vê a possiblidade de as chamas serem usadas intencionalmente em maior proporção para eliminar mata nativa.

"Se a pessoa desmata, ela corre o risco de ser pega pela fiscalização e pelo satélite. Então ela pula esta etapa e já taca fogo poque a floresta está seca. Em condições normais, a Floresta Amazônica não pegaria fogo tão facilmente", diz Mesquita.

André Lima, do MMA, também enxerga a mesma possiblidade. Ele diz que é muito difícil alguém ser pego em flagrante provocando um incêndio, principalmente na Amazônia, e isso encoraja grupos criminosos que invadem terras públicas. "É mais difícil ser punido por este crime, é difícil multar uma pessoa por este ato porque é necessário comprovar que ela ateou fogo", afirma Lima.

De toda a área queimada de floresta, não se sabe exatamente o quanto dos incêndios começaram dentro da mata, ou chegaram até a vegetação nativa vindos de outra parte. Mas o aumento significativo desse tipo de ocorrência reforça a hipótese de ação criminosa.

"É um indício muito forte de que realmente foi colocado fogo na floresta, vamos dizer assim, é uma nova estratégia de quem está ocupando áreas ilegalmente na Amazônia", diz Lima.

Saídas para a crise

Para José Marengo, está cada vez mais evidente o efeito catastrófico das mudanças climáticas no país. "Elas estão afetando a intensidade dos eventos extremos e isso está gerando um clima bastante diferente", diz o pesquisador do Cemaden.

Diante da indicação de que o quadro irá se repetir nos próximos anos, com estiagens severas e prolongadas, o caminho é prevenir, treinar pessoal e afinar a coordenação das ações em todos os níveis de governos, opina Mesquita.

"Nós não temos só floresta tropical. Nós temos savana tropical, o Cerrado, que é muito mais vulnerável. Nós temos áreas de campos, nós temos o Pantanal, Caatinga, temos outras áreas que antes não queimavam tanto e que hoje estão queimando muito mais. Então temos muito trabalho pela frente", pontua Mesquita.

O uso do fogo, mesmo que autorizado, talvez tenha que ser revisto, sugere Mesquita. "O fogo ainda é um elemento de uso para limpeza de pastagens, e a maior parte da pastagem brasileira é extensiva, ela não é manejada de maneira tecnificada. E sob as condições climáticas que estamos vivendo, isso não será mais possível", conclui.

Autor: Nádia Pontes

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