Ucranianos separados pela guerra enfrentam odisseia para se reencontrar
Ucranianos separados pela guerra enfrentam odisseia para se reencontrar - Idosos enfrentam verdadeiras odisseias para rever familiares do outro lado do front, encarando viagens que podem durar semanas. Ainda assim, alguns escolhem voltar às áreas ocupadas pela Rússia. Por quê?Lyubov, de 70 anos, é a primeira a caminhar em direção à fronteira entre Belarus e Ucrânia. Ela passa pelas barreiras antitanques carregando sua mala e encontra um ajudante voluntário em uma casa. Faz calor no local. Lyubov tira o batom vermelho da bolsa e começa a se maquiar.
Ela vem de um vilarejo perto de Mariupol que está sob controle russo. Seus filhos e netos moram em Odessa. Antes da invasão russa na Ucrânia, ela visitava os filhos várias vezes por ano. "Pegava o ônibus e chegava lá na manhã seguinte", diz Lyubov.
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Quando o Exército russo ocupou partes do leste e do sul da Ucrânia, a família foi separada pela linha de frente do conflito. Desde então, é preciso dar a volta por Rússia e Belarus para acessar a parte do território ucraniano sob controle de Kiev e, só então, chegar a Odessa. No caminho de volta, ela tem que passar pelo território da União Europeia (UE).
Todos os postos de controle na Península da Crimeia anexada pela Rússia e nas autoproclamadas "Repúblicas Populares" de Donetsk e Lugansk foram fechados, assim como as passagens para a Rússia e Belarus. A fronteira entre Mokrany, em Belarus, e Domanov, na Ucrânia, se tornou a única forma de os ucranianos das áreas ocupadas pela Rússia conseguirem entrar no território controlado por Kiev. Ali estão majoritariamente pessoas que não têm passaporte nem dinheiro para entrar na UE.
"Achei que acabaria rapidamente"
Esta foi a primeira vez que Lyubov deixou os territórios ocupados. "Achei que tudo isso iria desaparecer rapidamente, mas não foi o que aconteceu." Ela sente falta dos filhos e netos, que não vê há três anos. Além disso, não consegue mais preparar sozinha a lenha para o inverno. "Eu não tenho mais ninguém lá."
A viagem de ônibus de dois dias com pernoite, que levou Lyubov e outras pessoas através da Rússia e de Belarus até quase a fronteira com a Ucrânia, custou 300 euros (R$ 1,8 mil). Ela teve que percorrer os últimos dois quilômetros a pé. "Graças a Deus, os guardas de fronteira colocaram minha mala em um carrinho”, afirma.
No posto de controle, ela é verificada por autoridades ucranianas, a quem relata, sem cerimônia, também possuir um passaporte russo, que lhe assegura uma pensão. "Recebo 16 mil rublos (R$ 970), mas o carvão para aquecimento custa 40 mil rublos. Por isso tive de economizar e passar fome durante quase três meses, incluindo lenha e eletricidade”, reclamou.
Expulsa de sua própria casa
Irina aguardava no posto de controle para buscar a sogra de 83 anos, de Lugansk. "Ela foi expulsa de sua própria casa", relatou, com indignação. O imóvel foi confiscado pelos ocupantes. Irina diz que queria lutar pela casa e chegou a falar com os militares russos. "O homem que se apresentou como coronel Alexei disse simplesmente que minha sogra teve que entregar as chaves."
Irina se perguntava se a sogra conseguiria sobreviver à viagem. Sua saúde piorou devido ao estresse.
Quando a aposentada finalmente chegou ao posto de controle, entrou em pânico ao procurar pelo passaporte. A nora e os voluntários tentaram acalmá-la até que ela, enfim, encontrou o documento.
Para pessoas como a sogra de Irina, o posto de controle é o caminho mais rápido e barato para entrar no território controlado por Kiev. Muitos vão até lá porque conseguem passar sem documentos.
"Por que você não quer ficar na Rússia?"
Depois de cruzar a fronteira, a viagem continua, geralmente por centenas de quilômetros para leste ou sul, onde moram familiares e amigos.
Alina, de 23 anos, que saiu de Mariupol, queria ir para Odessa. Ela se mudou para lá antes do início da invasão russa. No verão, ela visitou os pais em Mariupol pela primeira vez em três anos. Questionada sobre como eles vivem lá, ela foi breve: "Eles sobrevivem". A mãe de Alina trabalha em um salão de cabeleireiro, o pai é pedreiro porque, segundo ela, "lá não há outros empregos".
Para chegar a Mariupol, Alina passou por Ucrânia, Polônia, Belarus e Rússia. A viagem de cinco dias lhe custou cerca de 700 euros (R$ 4,2 mil). Ela conseguiu entrar na Rússia e nos territórios ocupados sem problemas porque tinha um registro local.
"A Mariupol que eu conhecia não existe mais", diz Alina sobre sua cidade natal. Meneando a cabeça, ela se lembra da pergunta do oficial de fronteira russo que a deixou sair dos territórios ocupados e perguntou: "Por que você não quer ficar na Rússia?" Moscou anexou os territórios em setembro de 2022.
"Muitas pessoas esperam pela Ucrânia”
Todas as entradas recebem um certificado. Os voluntários recebem uma quantia única em dinheiro, fornecida pelo Conselho Norueguês para os Refugiados, bem como um pacote inicial de uma operadora de telefonia móvel ucraniana. As pessoas ligam imediatamente para seus parentes.
"Já estou na Ucrânia," afirmou aos prantos o aposentado Oleksandr ao falar ao telefone com a esposa, que havia chegado a Kiev alguns dias antes.
O casal saíra de Alchevsk, cidade na chamada "República Popular de Luhansk". Na fronteira com a Estônia, Oleksandr não foi autorizado a atravessar sem passaporte ucraniano, motivo pelo qual optou pela rota através do Belarus.
"Todos os membros da minha família se foram. Costumávamos usar 50 potes de pepino em conserva só no inverno, mas agora os potes cheios estão espalhados pelo porão", afirmou, ao ser questionado se desejava voltar para Alchevsk.
As pessoas entram em um ônibus que as leva até Kovel, a cidade mais próxima. Oleksandr falava sobre seus gatos, que teve que deixar com os vizinhos. "Algumas pessoas pensam que somos traidores, mas ninguém pode olhar para as nossas almas", disse o homem enquanto colocava suas malas no ônibus. "Posso lhes assegurar que muitas pessoas torcem pela Ucrânia."
"Talvez eu não tenha mais casa"
Volodimir, de 59 anos, trazia uma mala pequena. Ele veio direto de um hospital em Skadovsk, região de Kherson, e é natural de um vilarejo próximo à cidade de Oleschky. Há alguns meses, ele foi hospitalizado após um drone explodir em seu quintal. "Ele estava voando ao redor dos meus ouvidos, por todos os lados."
Agora Volodimir quer continuar seu tratamento médico em Kherson. Ele tem uma lesão na coluna e costelas quebradas. Lá também o espera sua família; uma filha, três netos e duas irmãs. Ele costumava visitá-los com frequência em uma viagem que demorava apenas uma hora. "Já estou na estrada pela segunda semana", diz.
"Os russos dizem que vieram para nos libertar”, relatata Volodimir. "Morávamos bem e tínhamos trabalho. O drone destruiu minha cozinha. Não sei como está lá agora. Talvez eu nem tenha mais casa."
"Não é nossa culpa"
Naquele dia, quatro ônibus com 44 passageiros partiram para Kovel. Após a chegada, as pessoas foram encaminhadas ao abrigo de emergência de uma igreja protestante, onde foram alimentadas e receberam ajuda para comprar passagens de trem ou ônibus. Quem iria viajar no dia seguinte, pôde passar a noite ali.
Lyubov, de 70 anos, descansava antes de seguir viagem para Odessa. Ela quer voltar na primavera para seu vilarejo, que fica perto de Mariupol. No entanto, o posto de controle Mokrany-Domanov, por onde ela entrou, não permite a saída no sentido contrário. Sua rota para voltar para casa passará, portanto, pela UE, o que torna a viagem mais longa e mais cara.
Ela teme perder sua casa se permanecer em Odessa. As autoridades de ocupação russas confiscam casas e apartamentos onde ninguém vive e que não foram registados novamente de acordo com os regulamentos russos. Essa é uma das razões pelas quais os ucranianos retornam aos territórios ocupados.
"Ninguém não pode nos culpar por ficarmos [nos territórios ocupados]", diz Lyubov. Ela não quer pensar em não poder voltar para casa. "Não quero que minha casa seja tomada, todas as minhas coisas, fotos. Não quero ninguém vasculhando."
Autor: Hanna Sokolova-Stekh