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Marisa Matías, o rosto da nova esquerda portuguesa

25/01/2016 16h52

Antonio Torres del Cerro.

Lisboa, 25 jan (EFE).- Determinada, combativa e trabalhadora, Marisa Matias, de 39 anos, é o rosto da nova esquerda portuguesa que surpreendeu muitos ao terminar as eleições presidenciais de ontem como a terceira candidata mais votada.

Deputada no Parlamento Europeu pelo marxista Bloco de Esquerda, partido aliado em nível continental ao Podemos (Espanha) e ao Syriza (Grécia), Matias, nascida em Coimbra, obteve neste domingo um histórico resultado para a esquerda radical portuguesa: 10,13% dos votos e quase 470 mil votos.

Entre os dez candidatos, ela ficou apenas atrás do ganhador e futuro presidente, o conservador Marcelo Rebelo de Sousa (52% dos votos), e do ex-reitor universitário associado ao Partido Socialista, António Sampaio da Nóvoa (quase 23%).

"O objetivo de forçar um segundo turno não foi alcançado, mas os resultados mostram uma enorme onda de esperança em nosso país", afirmou Matias no Porto, onde acompanhou a noite eleitoral.

Carisma, empatia e proximidade são atributos que contribuíram para que a eurodeputada recebesse apoio de dezenas de milhares de eleitores cansados dos cortes resultantes do resgate financeiro (2011-2014) e desejosos por ver novos rostos na política nacional.

O ator António Capelo, responsável pela campanha, considerou Matias uma inquebrantável "flor de inverno", e o líder do Podemos, Pablo Iglesias, com quem tem uma estreita amizade no parlamento Europeu (PE), a elevou ao plano do sobrenatural.

"Marisa tem algo mágico. As pessoas normais caminham. Marisa avança", disse em um tom lírico Iglesias quando foi a Lisboa, no último dia 16, para se encontrar com a candidata, a quem admira por suas origens humildes e capacidade intelectual.

Marisa Matias foi criada em Alcouce, uma aldeia a 17 quilômetros de Coimbra, e lá aprendeu a simplicidade da vida rural. Caminhava cinco quilômetros para ir à escola e ajudava sua família nas tarefas de pastoreio e agricultura.

Seus pais, um guarda florestal torcedor do Sporting e uma faxineira, tinham um orçamento apertado.

Por isso, Matias começou a alternar seus estudos com trabalhos em tempo parcial como cuidadora ou recepcionista.

Nesta época ela já tinha cultivado seu amor pela leitura e iniciado a paixão política graças a Álvaro Febra, um vizinho conhecido como "o comunista".

Matías reconheceu que lhe impressionou a história de resistência e de luta de seu vizinho, que foi perseguido durante o regime ditatorial de António de Oliveira Salazar.

Ela optou por estudar sociologia na prestigiada Universidade de Coimbra, influenciada pela leitura de "Pela Mão de Alice", do filósofo Boaventura Sousa Santos, um dos gurus da esquerda portuguesa, em quem se espelhou e que, mais tarde, se tornou um amigo com quem trabalhou no Centro de Estudos Sociais (CES) da universidade.

Filiada ao Bloco de Esquerda desde 2004, ela liderou as eleições municipais de Coimbra de 2005 e em 2009 foi escolhida deputada do Parlamento Europeu.

Nas instituições continentais, ela teve um reconhecido trabalho em vários campos. Foi nomeada eurodeputada de 2011 na área da Saúde por seu trabalho sobre medicamentos falsificados, o combate ao Alzheimer e por ser fundadora do Intergrupo para a luta contra o diabetes.

Desde 2014, quando foi reeleita eurodeputada, Matias preside a delegação do Parlamento Europeu para as relações com Síria, Líbano, Jordânia e Egito, e é vice-presidente do Partido da Esquerda Europeia.

Na Europa, ela também trabalhou em assuntos econômicos, como no polêmico Tratado Transatlântico de Comércio e Investimento (TTIP).

Durante sua experiência em Bruxelas e Estrasburgo, Matias denunciou as políticas de austeridade aplicadas aos países do sul da Europa. "Chega de humilhação. Temos um povo maravilhoso, não temos que andar de joelhos", declarou.

Sua participação nas eleições legislativas de 2015 também foi chave para que o Bloco se tornasse a terceira legenda mais votada, com meio milhão de votos e 10% dos votos - o melhor resultado da história do partido (fundado nos anos 90).