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Ser mulher é ter poder em regiões remotas da Índia

30/01/2016 12h18

Noemí Jabois.

Riwai (Índia), 30 jan (EFE).- Além dos feticídios femininos, os onerosos dotes para casar as filhas e a constante discriminação que as mulheres sofrem na Índia, este país esconde também algumas das poucas comunidades matrilineares que restam no mundo, um lugar onde ser mulher é ter poder.

Os indianos não escondem sua preferência pelos filhos homens, em uma sociedade tradicional na qual os dotes para casar as filhas se traduzem frequentemente em abortos seletivos de meninas.

Os homens perpetuam a linhagem, herdam a propriedade e cuidam dos pais na velhice, enquanto as mulheres são vistas como um fardo econômico.

No entanto isso não é assim no estado de Meghalaya, no nordeste do país, parte de uma remota região onde vivem principalmente as tribos matrilineares Khasi, Garo e Jaintia.

Nitty Schonglar, uma jovem khasi de 17 anos, acompanha sua irmã mais velha enquanto lava a roupa em um rio rodeado por densa vegetação na aldeia de Kiwai, pontilhada de casas de bambu, perto da fronteira com Bangladesh.

Ela é a "khatduh", a filha mais nova da família, razão pela qual será a herdeira de todas as propriedades do clã, segundo a própria explicou timidamente à Agência Efe sentada à margem do rio, envolta em uma vestimenta amarrada ao ombro, tradicional dos Khasis.

Em sua tribo as crianças levam os sobrenomes de suas mães e, ao contrário do que prevalece na Índia patriarcal, os homens são os que devem deixar seus clãs após o casamento para viver com a família de suas esposas.

Ali também não se pagam dotes compensatórios à família do noivo na hora de entregar as mulheres em casamento, que, assegurou Nitty, acontecem sempre "por amor" e nunca são "arranjados".

É por isso que em Meghalaya "todo mundo" quer ter filhas, afirmou sua irmã Krisil, uma jovem de 25 anos que após ter dado à luz um menino "espera" que seu segundo filho seja uma menina.

Apesar de o número de homens nessa região indiana ser um pouco superior ao de mulheres, suas tribos matrilineares registram uma preferência pelas filhas, com mais de 60% das mães interessadas em ampliar a família querendo ter meninas, segundo um estudo do centro de pesquisa bengali ICDDR, publicado em 2013.

No rio de Kiwai, a maioria dos moradores que lavam roupa são homens, talvez porque, segundo dizem as meninas Schonglar, o sétimo dia da semana costuma ser um desses em que "às vezes" os homens Khasi ajudam nas tarefas do lar.

É porque, como lembrou à Efe o diretor do Centro Don Bosco para as Culturas Indígenas, Joseph Puthenpurakal, matrilinear não é sinônimo de matriarcal e estas comunidades indianas "simplesmente" respeitam o papel da mãe na "kur", a família ampliada.

"Ela não governa a sociedade, mas é uma figura respeitada através da qual se passa a linhagem", disse Puthenpurakal em Shillong, a capital regional, ao acrescentar que o tio materno tem "grande poder" dentro deste sistema, no qual "ambos" os sexos contam com "posições muito fortes".

Puthenpurakal afirmou que, embora o início do modelo matrilinear "não possa ser datado", no caso dos Khasis remonta às "origens" da tribo, que se instalou em Meghalaya procedente de outros lugares do sudeste asiático há pelo menos 70 mil anos.

No entanto e após milhares de anos, um grupo de homens da tribo reivindica agora mais direitos, especialmente em relação aos filhos, a partir da organização Syngkhong Rympei Thymmai (SRT), nascida nos anos 90.

"Os homens são geralmente excluídos em nível familiar", advertiu à Efe o presidente da SRT, Keith Pariath, para denunciar que, após o casamento, os homens Khasi perdem seu "sentido de cabeça de família" em favor dos homens da família política.

Ele assegurou que, ao serem privados de "responsabilidades", os homens levam uma "vida muito dissoluta" que algumas vezes os empurram para o álcool, as drogas ou para ter até cinco mulheres diferentes.

De acordo com o censo de 2011, cerca de 64% de trabalhadores permanentes em Meghalaya são homens, que ocupam, por outro lado, nove dos 12 postos do gabinete regional de ministros.

"Agora a situação está piorando para os homens com a chegada de pessoas de fora da comunidade, que antes vivia unicamente entre seus próprios membros", concluiu o presidente da SRT.