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Abusos sexuais em comunidade ortodoxa judaica de Israel deixam de ser tabu

28/09/2016 06h01

Daniela Brik.

Jerusalém, 28 set (EFE).- Os casos de abusos sexuais na comunidade ortodoxa judia começam a se tornar públicos em Israel após anos de silêncio em um assunto tabu, favorecido pelo temor das vítimas a denunciar ou a enfrentar os agressores nos tribunais.

Em um país onde apenas 15% das vítimas de agressões sexuais denunciam o fato à polícia, entre as comunidades religiosas judaicas os processos judiciais relacionados com este fenômeno, do qual cada vez há mais consciência social, são registrados a conta-gotas.

"Não há muitos agressores que acabam na prisão porque as vítimas não querem enfrentar a polícia nem o julgamento. Os juízes não sabem como tratar o tema", explicou à Agência Efe Malka Puterkovsky, fundadora e diretora do Fórum Takaná, que oferece há 13 anos assessoria a vítimas da corrente ortodoxa judaica, conhecida como "moderna ortodoxia" ou "sionismo religioso".

Pouco a pouco e com ajuda destes tipos de organizações, que oferecem um ambiente seguro às vítimas e abordam os agressores de forma discreta, vão sendo revelados os casos e, quando o fazem, provocam verdadeiras tempestades.

O mais recente foi o que atingiu diretamente Davidi Perl, presidente do Conselho Regional de Gush Eztion, o grande bloco de assentamentos judaicos no distrito cisjordaniano de Belém.

Uma jovem de 20 anos alega que foi repetidamente agredida sexualmente por Perl e, após entrar com um processo, este pagou uma quantia à família para que o caso não fosse divulgado e prometeu não voltar a se apresentar candidato ao Conselho Municipal, segundo a emissora local "Canal 10".

Os rabinos que trabalham em Takaná solicitaram a Perl que se apresentasse para responder à denúncia, procedimento habitual que realiza o fórum além de comunicar o procurador-geral, mas este se negou e só o fez após ser ameaçado com a divulgação da denúncia.

Perl afirmou nunca "ter prejudicado nenhuma mulher nem cometido pecado algum", antes de assinalar que o dinheiro entregue à jovem não implicava em um reconhecimento de culpa, mas o fez para proteger sua família e evitar que as acusações fossem conhecidas.

Ao contrário dos ultraortodoxos, que cumprem estritamente as regras da lei judaica, se vestem de preto e usam barba e cachos nas costeletas, os "ortodoxos modernos" são conhecidos por usar kipá bordado, trabalhar, estudar na universidade e se permitir licenças modernas como usar aplicativos como o Whatsapp.

Dentro desta comunidade pequena e na era das redes sociais, o caso despertou sentimentos diversos entre os defensores da vítima e os do "prefeito" de Gush Etzion.

"Acredito que este caso muda as regras de jogo em uma comunidade onde surgiu o debate sobre se Perl deve continuar como chefe do Conselho", disse a deputada Rachel Azaria, ortodoxa e ativista dos direitos das vítimas de abusos sexuais,

Azaria pertence ao partido Kulanu, que faz parte do governo, e é ex-prefeita de Jerusalém, onde conheceu de perto o caso de um rabino que violentou mais de uma centena de crianças.

Um dos grandes desafios é como educar, concretamente no terreno sexual, respeitando as estritas regras de modéstia e ao mesmo tempo conscientizar os mais jovens sobre o fenômeno.

"Os principais desafios que enfrentamos neste terreno são, sobretudo, questões relacionadas com a educação, de falar do que não se falou antes", analisou Azaria.

Sem poder dar números ou detalhes por confidencialidade, a diretora do Takaná afirmou que os casos mais difíceis acontecem nas 'yeshivot' (seminários rabínicos) onde estudam adolescentes.

Ambas concordam que, apesar das dificuldades nos casos de denúncias de abusos, sua corrente tem uma década de avanços em relação aos ultraortodoxos, que começam a tomar consciência.

Assim, os apelos do rabino chefe ashkenazi, David Lau, para que pais e educadores levem a sério os processos sobre abusos a menores, ou páginas como 'Lo Lishtok' (Não calar) que publica denúncias e orienta vítimas, mostram que os muros do silêncio começam a ser quebrados entre os mais tradicionalistas.