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Não há lugar para as heroínas no Afeganistão

30/11/2016 06h01

José Luis Paniagua.

Cabul, 30 nov (EFE).- Seus nomes aparecem no jornal e na televisão dando rosto a milhões de mulheres condenadas a escondê-lo sob uma burca no Afeganistão, mas a fama para uma desportista neste país pode ser uma sentença de morte além de um castigo que levou dezenas delas a fugir nos últimos anos.

Tamana Talash Frotan suportou durante muito tempo o assédio diário dos meninos que a submetiam por fazer esporte, até que um dia se cansou, deu meia volta e deu uma pancada em um deles, deixando-o tão estupefato como zangado.

O agressor, surpreendido e enfurecido, tentou reprimir a insolente resposta desta pequena campeã de taekwondo de 53 quilos com um soco, que a jovem transformou em uma humilhação ainda maior para ele.

"Senti-me livre e forte", disse à Agência Efe Tamana com um sorriso nos lábios.

A felicidade do relato se perde em breve quando começa a contar, com gesto de pesar, como ter sido 16 vezes campeã em seu país e ter conseguido dois títulos internacionais foram enchendo sua vida de problemas que não esperava.

"Comecei fazendo taekwondo por causa de minha saúde, para estar em forma", lembra, enquanto fala de um esporte do qual, aos 22 anos, já é treinadora.

"A princípio não havia nenhum problema, mas quando comecei a ganhar medalhas começou a me preocupar", explicou a jovem, também estudante de medicina.

Tamana assegura que "quando uma menina fica famosa é um problema nesta sociedade" e também para as famílias, que terminam vivendo entre o medo de que lhes aconteça alguma coisa e a frustração de não entender por que não podem ser como todas as demais.

"Se fico mais famosa então serei sequestrada ou alguém vai querer me matar ou minha família, ou algum suicida me atacará algum dia", resumiu a jovem.

"Eu gostaria de ser homem", disse imperturbável.

Dezenas de atletas, lutadoras e desportistas em geral deixaram o Afeganistão nos últimos anos por culpa dessa incompreensão familiar e social, a falta de recursos para praticar suas modalidades e, sobretudo, o risco de se transformar em vítima dos sequestradores ou dos talibãs.

O vice-secretário-geral do Comitê Olímpico afegão, Mirwais Bahawi, reconheceu à Efe que "é difícil dar um número exato de mulheres desportistas que saíram do país, porque durante os últimos anos dezenas delas, o que é um número grande, o fizeram".

"Algumas inclusive quando estavam de viagem por países ocidentais", afirmou.

Entre elas, figuram os nomes da atleta Tahmina Kohistani, que participou dos Jogos de Londres nos 100 metros, ou da lutadora de taekwondo Humaira Mohammadi, que optaram por seguir com o esporte longe de seu Afeganistão natal.

"Quando um desportista, particularmente mulher, se torna famoso e atrai a atenção, os problemas de segurança automaticamente se multiplicam contra si", disse Bahawi.

"Temos exemplos de mulheres que receberam ameaças de morte e avisos que se tornaram alvo prioritário para os sequestradores", explicou.

Como consequência, as famílias procuram protegê-los, mas não contam com fundos para tudo, por isso que ficam sem recursos para ajudá-los a desenvolver suas atividades esportivas.

"Meu pai diz que se estivéssemos em outro país me ajudaria", disse Tamana.

A lutadora sabe que tem uma grande responsabilidade com o resto das meninas de seu país, mas não sabe explicar que no Afeganistão há coisas que não pode fazer, como abrir um ginásio.

"Minhas colegas de classe dizem que querem seguir meu exemplo, eu ajudo quem está fora de forma, para que percam peso", disse sorrindo.

Apesar dos avanços que objetivamente aconteceram na nação asiática para as mulheres, após a saída dos talibãs do poder com a invasão americana de 2001, Tamana se mostra muito cética e assegura que ela não vê diferenças.

"Você trabalha abnegadamente, fica muitas horas no ginásio, embora nem tantas quanto quer, devido à falta de recursos e de segurança para ir e voltar para sua casa. Todos os problemas têm uma única solução: "Ir embora do país".