França debate modelo de sociedade e convivência
Marta Garde.
Paris, 21 abr (EFE).- Uma lei de 1905 consagrou na França a separação entre Igreja e Estado e proibiu a subvenção de atividades religiosas. Em 2017, o debate sobre o laicismo e a identidade nacional ainda não está encerrado, mas inserido em questões de segurança, economia e integração.
Embora o cumprimento rigoroso dessa norma seja um ponto comum entre os presidenciáveis, as matizes evidenciam cicatrizes em um tema que a direita e a extrema-direita são mais propensas a abordar.
O burquíni, traje que cobre boa parte do corpo e é usado geralmente pelas muçulmanas para mergulhar no mar ou na piscina, serve de exemplo. Enquanto a ultradireitista Marine Le Pen e o conservador François Fillon defendem a proibição, o socialista Benoît Hamon é contrário ao veto, e o social-liberal Emmanuel Macron justifica o não uso em algumas ocasiões por motivos de ordem pública.
A religião não teve um espaço tão destacado nesta campanha eleitoral, mas a identidade nacional e a abertura ou não do país se mantêm no centro do debate.
"O que faz um candidato ganhar não é tanto o programa, mas o imaginário; o relato da França que ressoe na cabeça da maioria", afirmou à Agência Efe o pesquisador em Ciências Políticas Vincent Martigny, autor do livro "Dire la France. Culture(s) et identités nationales".
Nessa linha, o protecionismo de Le Pen e a firmeza que compartilha com Fillon em matéria migratória contrastam com a maior flexibilidade de Hamon e do líder esquerdista Jean-Luc Mélenchon.
Os recentes atentados jihadistas não fizeram os concorrentes estabelecerem uma relação direta entre islamismo e terrorismo porque, acrescenta o sociólogo do Centro de Pesquisas Políticas do Instituto de Estudos Políticos de Paris (CEVIPOF) Adil Jazouli, eles são cientes de que não traz vantagem eleitoral. Mas o tema imigração ecoou em uma campanha protagonizada por investigações sobre Fillon e Le Pen.
Estes dois concordam em querer retirar a assistência médica pública aos cidadãos com status irregular, enquanto Hamon quer integrá-la à cobertura de saúde universal. Por outro lado, Le Pen pretende tornar "impossível" a regularização dos estrangeiros em situação ilegal, e Mélenchon defende o contrário.
Em relação às eleições de 2012, realizadas após o mandato do conservador Nicolas Sarkozy, que segundo Jazouli foi muito mais "hostil" com os imigrantes do que o socialista François Hollande, esta atual campanha tratou o assunto de forma mais transversal.
A questão migratória e os refugiados interessam, mas também não permearam "porque a maioria vive bem o laicismo no dia a dia". Apesar disso, a campanha sim serviu para perguntar que modelo de sociedade os franceses querem.
Assim, Mélenchon se opõe a qualquer financiamento público relacionado ao credo e inclusive à presença de ministros e delegados de governo em cerimônias religiosas. No primeiro aspecto coincide com Le Pen, enquanto Fillon baixa o tom e defende que o Estado forme ímãs e Macron aposta por completar a educação destes últimos com um diploma universitário e na criação de uma Federação Nacional do Islã.
Embora "seja mais fácil falar de imigração" do que de economia, para a presidente da Sociedade do Estudo das Linguagens Políticas (SELP), Chloe Gaboriaux, este tema foi tratado mais como a cristalização de "frustrações ligadas a questões econômicas e sociais".
Exemplo disso é a intenção de Le Pen de inscrever na Constituição a "prioridade nacional" para o acesso a ajudas, trabalho e habitação, e suas críticas à deriva multicultural que, em sua opinião, Macron propõe.
Como pano de fundo está a constatação de que existe um eleitorado heterogêneo ao que se dirigir.
"Sou o candidato da França mestiça. (...) O da França laica de raízes múltiplas", disse Hamon certa vez.
Já Fillon defendeu no último sábado a união do povo.
"Além de nossas origens, religiões e regiões, somos, primeiro e acima de tudo, franceses. Somos uma nação de integração e integração significa que quem chega legalmente à França adota a França e a França lhe adota como um dos seus", disse o candidato conservador. EFE
mgr/cdr/id
(foto)
Paris, 21 abr (EFE).- Uma lei de 1905 consagrou na França a separação entre Igreja e Estado e proibiu a subvenção de atividades religiosas. Em 2017, o debate sobre o laicismo e a identidade nacional ainda não está encerrado, mas inserido em questões de segurança, economia e integração.
Embora o cumprimento rigoroso dessa norma seja um ponto comum entre os presidenciáveis, as matizes evidenciam cicatrizes em um tema que a direita e a extrema-direita são mais propensas a abordar.
O burquíni, traje que cobre boa parte do corpo e é usado geralmente pelas muçulmanas para mergulhar no mar ou na piscina, serve de exemplo. Enquanto a ultradireitista Marine Le Pen e o conservador François Fillon defendem a proibição, o socialista Benoît Hamon é contrário ao veto, e o social-liberal Emmanuel Macron justifica o não uso em algumas ocasiões por motivos de ordem pública.
A religião não teve um espaço tão destacado nesta campanha eleitoral, mas a identidade nacional e a abertura ou não do país se mantêm no centro do debate.
"O que faz um candidato ganhar não é tanto o programa, mas o imaginário; o relato da França que ressoe na cabeça da maioria", afirmou à Agência Efe o pesquisador em Ciências Políticas Vincent Martigny, autor do livro "Dire la France. Culture(s) et identités nationales".
Nessa linha, o protecionismo de Le Pen e a firmeza que compartilha com Fillon em matéria migratória contrastam com a maior flexibilidade de Hamon e do líder esquerdista Jean-Luc Mélenchon.
Os recentes atentados jihadistas não fizeram os concorrentes estabelecerem uma relação direta entre islamismo e terrorismo porque, acrescenta o sociólogo do Centro de Pesquisas Políticas do Instituto de Estudos Políticos de Paris (CEVIPOF) Adil Jazouli, eles são cientes de que não traz vantagem eleitoral. Mas o tema imigração ecoou em uma campanha protagonizada por investigações sobre Fillon e Le Pen.
Estes dois concordam em querer retirar a assistência médica pública aos cidadãos com status irregular, enquanto Hamon quer integrá-la à cobertura de saúde universal. Por outro lado, Le Pen pretende tornar "impossível" a regularização dos estrangeiros em situação ilegal, e Mélenchon defende o contrário.
Em relação às eleições de 2012, realizadas após o mandato do conservador Nicolas Sarkozy, que segundo Jazouli foi muito mais "hostil" com os imigrantes do que o socialista François Hollande, esta atual campanha tratou o assunto de forma mais transversal.
A questão migratória e os refugiados interessam, mas também não permearam "porque a maioria vive bem o laicismo no dia a dia". Apesar disso, a campanha sim serviu para perguntar que modelo de sociedade os franceses querem.
Assim, Mélenchon se opõe a qualquer financiamento público relacionado ao credo e inclusive à presença de ministros e delegados de governo em cerimônias religiosas. No primeiro aspecto coincide com Le Pen, enquanto Fillon baixa o tom e defende que o Estado forme ímãs e Macron aposta por completar a educação destes últimos com um diploma universitário e na criação de uma Federação Nacional do Islã.
Embora "seja mais fácil falar de imigração" do que de economia, para a presidente da Sociedade do Estudo das Linguagens Políticas (SELP), Chloe Gaboriaux, este tema foi tratado mais como a cristalização de "frustrações ligadas a questões econômicas e sociais".
Exemplo disso é a intenção de Le Pen de inscrever na Constituição a "prioridade nacional" para o acesso a ajudas, trabalho e habitação, e suas críticas à deriva multicultural que, em sua opinião, Macron propõe.
Como pano de fundo está a constatação de que existe um eleitorado heterogêneo ao que se dirigir.
"Sou o candidato da França mestiça. (...) O da França laica de raízes múltiplas", disse Hamon certa vez.
Já Fillon defendeu no último sábado a união do povo.
"Além de nossas origens, religiões e regiões, somos, primeiro e acima de tudo, franceses. Somos uma nação de integração e integração significa que quem chega legalmente à França adota a França e a França lhe adota como um dos seus", disse o candidato conservador. EFE
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