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Promessas e execuções: família indonésia conta como é viver com o Estado Islâmico

Ricardo Pérez-Solero

Em Jacarta

12/10/2017 06h00

Promessas de saúde e educação gratuitas, casamentos forçados e decapitações são algumas das experiências relatadas por uma família da Indonésia que viveu durante 22 meses nos territórios controlados pelo Estado Islâmico (EI) na Síria.

Dwi Djoko Wiwoho e sua família, que segundo a lei não podem ser processados por crimes cometidos fora da Indonésia, viajaram para a "capital" síria do califado proclamado pelo EI, Al Raqqa, no meio do ano de 2015 e permaneceram lá até junho de 2017, quando fugiram para finalmente retornarem a seu país em agosto deste ano.

Já na Indonésia, eles foram interrogados durante um mês pela Agência Nacional Antiterrorista (BNPT, sigla em indonésio), que recentemente divulgou um vídeo com depoimentos de vários membros da família que contam sua odisseia e o que viveram na utopia islâmica.

Após serem seduzidos pela propaganda do EI e entrarem em contato com militantes através da Internet, Wiwoho e outros 26 integrantes de sua família, entre eles crianças e bebês, abandonaram a estabilidade do lar nas ilhas Riau, no oeste do arquipélago.

Há dois anos, viajaram de Cingapura à Turquia e, de lá, tentaram cruzar a fronteira com a Síria em grupos separados.

As autoridades turcas detiveram nove deles e os deportaram para a Indonésia, enquanto o restante conseguiu chegar a seu destino, segundo a BNPT.

Nurshadrina Khaira Dhania, a filha de 16 anos de Wiwoho, afirmou que a decepção dos que conseguiram chegar ao território do EI foi imediata e que os homens de sua família se negaram a lutar, por isso foram aprisionados temporariamente.

"Dizem que como muçulmanos, todos somos irmãos e irmãs. Mas a realidade está distante do que eles dizem e compartilham na internet", disse Dhania no vídeo citado.

Os deportados relataram para as câmeras sua experiência e motivações, enquanto a música e a edição acrescentam dramaticidade, como parte de uma campanha das autoridades da Indonésia, país que conta com a maior população muçulmana do mundo, com mais de 225 milhões.

Além de trabalho para os homens, serviços médicos gratuitos e educação para as crianças, a família esperava viver em uma "autêntica" sociedade islâmica.

"Disseram que haveria escola gratuita, mas quando chegamos lá, ordenaram que minhas filhas se casassem. Muitas pessoas se ofereceram para casar com minha filha e me pediram que lhes dissesse se ela tinha começado a menstruar", relatou Wiwoho, que, em outro momento da gravação, não consegue conter as lágrimas.

"Nunca as vi (as execuções), mas vi corpos de pessoas que foram executadas. Aconteceu duas semanas antes de eu voltar. Havia uma torre com um relógio, os corpos foram pendurados, e utilizaram as suas cabeças para que as crianças brincassem com elas", contou Heru Kurnia, tio de Dhania.

Finalmente, a família conseguiu escapar em junho para uma região nos arredores de Al Raqqa controlada pelas Forças da Síria Democrática (FSD), uma aliança liderada por milícias curdas e, depois de passarem pelo Iraque, foram deportados à Indonésia.

Uma fonte da BNPT que esteve presente durante os interrogatórios à família após seu retorno à Indonésia, que prefere manter o anonimato, disse à Agência Efe que "ninguém sabe se é verdade que eles nunca foram integrantes do Estado Islâmico".

A família, que já se encontra em liberdade, segue um programa de combate à radicalização que fornece formação profissional e que continuará por, no máximo, mais seis meses.

A atual lei de combate ao terrorismo na Indonésia não permite que pessoas sejam processadas por crimes que cometeram fora do território do país, mas o parlamento discute desde o início deste ano um projeto de lei que permitiria a responsabilização dessas pessoas no país e a retirada de sua nacionalidade no exterior.

Apesar de os números serem relativamente baixos em comparação com a população muçulmana total da Indonésia, fontes oficiais estimam que mais de 500 cidadãos do país viajaram para a Síria para se juntar ao EI e mais de 400 foram deportados na fronteira com a Turquia desde 2015.