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Sobrevivente do Holocausto, polonês diz cumprir "missão" no Brasil

09/11/2017 14h27

Isadora Camargo.

São Paulo, 9 nov (EFE).- O polonês Julian Gartner sobreviveu ao Holocausto, a cinco campos de concentração e agora, aos 93 anos, sorri após todo o sofrimento que teve na juventude e diz ter no Brasil a "missão" de "perpetuar" o que realmente aconteceu no maior genocídio do século XX.

Filho de judeus, Gartner perdeu seus pais em um campo de concentração e, em 1947, emigrou para o Brasil, onde há alguns anos colabora com o Museu da Imigração Judaica, que neste domingo abrirá ao público o primeiro Memorial do Holocausto de São Paulo.

"O Holocausto foi uma tragédia. Doeu muito ver os rostos nas fotos das pessoas inocentes que foram presas durante anos", contou o polonês ao observar uma das imagens expostas no Memorial.

Na fotografia descrita por Gartner é possível ver o olhar de desespero das prisões em Ebensee, um dos maiores campos de concentração de Mauthausen, na Áustria, uma situação que ainda o emociona depois de mais de sete décadas.

Apesar das dificuldades do seu passado, o polonês mantém um sorriso no rosto, pois acredita que sua visão positiva permitiu que ele sobrevivesse ao nazismo.

"A minha proposta de vida é ver as coisas pelo lado positivo. Chorar não choro, porque as lágrimas secaram há muito tempo. Tenho todos os sentimentos normais de um ser humano", disse ele em entrevista à Agência Efe.

Gartner enfrentou a Segunda Guerra Mundial com 15 anos e passou por cinco campos de concentração em outros países, de onde observou de perto a morte de muitos companheiros.

"Eu não estava acostumado a falar do assunto até passar pelo campo de extermínio de Majdanek (Polônia) mais de 70 anos depois da guerra. Ainda há montanhas de cinzas de pessoas que foram queimadas lá, inclusive meus pais, e isso me afetou. A partir desse momento, pensei que isso não poderia ser silenciado e abracei essa missão", afirmou.

No Brasil, Gartner tornou-se um estudioso da Segunda Guerra Mundial e acredita que a abertura do Memorial do Holocausto evitará o esquecimento de um dos episódios mais obscuros da História, "um verdadeiro período de medo e terror".

Enquanto passeia pelo Memorial, o polonês lembra alguns episódios do seu passado. Durante dez meses ficou escondido - "sem dinheiro, sem roupa" - e se alimentando dos restos de comida que alguns vizinhos deixavam na porta de casa para os cachorros.

"Se alguém os flagrasse dando comida aos judeus, seriam castigados com a pena de morte", disse.

Gartner passou pelo gueto judeu da Cracóvia, retratado no filme "A Lista de Schindler" (1993), onde as condições eram muito precárias, como se vê na réplica de um dos quartos dos campos de concentração.

Apesar de não contar com muitas peças originais, o Memorial submerge o espectador na história do Holocausto através de uma visita que começa com a famosa frase do campo de concentração de Auschwitz: "O trabalho nos torna livres".

Em um espaço de 160 metros quadrados, além dos quadros explicativos sobre o que foi o genocídio, há réplicas de desenhos feitos por prisioneiros, uniformes usados pelos judeus e um vídeo que mostra as atrocidades cometidas pelos nazistas.

"A Alemanha se tornou um país de 'serial killers' durante o Holocausto. Quem cometeu o Holocausto não foi só o governo e o exército, mas também a sociedade civil, política e militar da Alemanha", disse à Efe o cineasta e especialista no tema, Márcio Pitliuk.

"Foi um projeto planejado, executado por universitários e a elite alemã, o que faz do Holocausto um fato único", acrescentou.

Pitliuk, junto com Caio Cobra, levou até o cinema a história de Gartner com o documentário "Sobrevivi ao Holocausto", que percorre 15 cidades da Polônia, Áustria, Itália, França e Brasil promovendo um encontro entre o passado e o presente.

O curador do Memorial, Luiz Rampazzo, destacou o objetivo didático da exposição para transmitir ao público brasileiro, especialmente aos mais jovens, o que foi o Holocausto.

"O principal é levar a reflexão sobre o ódio e o racismo e fazer pensar sobre a nossa própria intolerância", explicou Rampazzo.