Fantasma de três séculos de escravidão ainda assombra o Brasil
Nayara Batschke.
São Paulo, 13 mai (EFE).- Em 13 de maio de 1888 o Brasil pôs fim à escravidão, mas, 130 anos depois da sua abolição, o fantasma de três séculos de trabalho forçado continua deixando suas marcas no país que, segundo dados coletados pela ONU, conserva uma "cultura segregacionista".
O Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão e fez isso pelas mãos da princesa Isabel, que em 1988 enfrentou os representantes dos escravos e assinou a Lei Áurea.
No entanto, a assinatura da lei não trouxe consigo políticas de inclusão para que os escravos, majoritariamente negros, se integrassem na sociedade, o que deixou marcas no Brasil atual, segundo explicou à Agência Efe a promotora do Ministério Público da Bahia, Lívia Santana Vaz.
"A partir da Lei Áurea, o Estado brasileiro não só foi omisso, mas responsável pela construção dessa sociedade racialmente hierarquizada", declarou Vaz durante o ciclo de conferências "Abolição 130 anos depois", realizado em São Paulo dentro da agenda do Pacto Global da ONU.
Para Vaz, o decreto que proibiu a servidão forçada é ensinado nas escolas de uma maneira "romântica" e como "um ato de caridade", embora, na realidade, "nada nesse país jamais foi concedido dessa maneira à população negra".
"Essa lei é resultado do processo de muita luta e resistência do povo negro, o problema é que a história sempre é contada da perspectiva do colonizador, de uma perspectiva eurocêntrica", declarou.
O governo da época deu prioridade a políticas de "embranquecimento", que condenavam as relações entre negros e brancos, e impulsionou a "imigração pactuada", por meio da qual incentivava a imigração europeia em troca de terras e postos de trabalho.
Essa, segundo a promotora, é uma das razões pelas quais os negros são maioria nas áreas mais pobres e periféricas no Brasil, onde representam 54% da população, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para Ana Claudia Jaquetto Pereira, do Fundo de População da ONU, uma das principais manifestações do "racismo institucionalizado" no Brasil é a violência contra a população negra, sobretudo entre os jovens, grupo no qual de cada 100 pessoas assassinadas, 71 são negras.
Segundo as estatísticas divulgadas pela ONU, cerca de 23.000 jovens negros morrem violentamente a cada ano no país, o que equivale a um a cada 23 minutos.
Além disso, enquanto a taxa de homicídios por cada 100.000 habitantes caiu em 12% para os não-negros entre 2005 e 2015 no Brasil, a dos negros saltou em 18% no mesmo período; números que, segundo a ONU, demonstram "o peso do racismo no atual cenário de violência no país".
Por isso, a ONU lançou a campanha "Vidas Negras", que promove uma "maior sensibilização com relação à violência contra a juventude negra" e alerta sobre "a gravidade desse fenômeno".
"Queremos inserir o tema na agenda nacional, principalmente entre as pessoas que ocupam postos de poder e de tomada de decisões", ressaltou Pereira, que espera que "estas ações se traduzam em políticas públicas e ações concretas".
Na luta por mais inclusão e menos estereótipos, a arte ocupa um lugar fundamental. Isso é o que acredita o rapper Rincon Sapiência e, por isso, aposta nas suas criações para empoderar a juventude e promover o debate social.
O cantor explicou que o principal desafio no combate contra o racismo é a construção da autoestima da população negra, pois muitas vezes as "próprias manifestações da cultura negra são vistas como ofensas e crimes dentro dos pilares racistas da sociedade".
Segundo Lívia Vaz, o Brasil ainda tem uma árdua agenda em questão de igualdade racial nessa "abolição inacabada". Mas uma coisa é certa: a comunidade negra teve um papel-chave em muitos episódios da história do país ao longo de cinco séculos.
"O ponto não é que não fomos protagonistas, mas não fomos protagonizados pela História. Mas nós fomos protagonistas de muitas e muitas histórias e a nossa resistência é a prova", concluiu.
São Paulo, 13 mai (EFE).- Em 13 de maio de 1888 o Brasil pôs fim à escravidão, mas, 130 anos depois da sua abolição, o fantasma de três séculos de trabalho forçado continua deixando suas marcas no país que, segundo dados coletados pela ONU, conserva uma "cultura segregacionista".
O Brasil foi o último país do Ocidente a abolir a escravidão e fez isso pelas mãos da princesa Isabel, que em 1988 enfrentou os representantes dos escravos e assinou a Lei Áurea.
No entanto, a assinatura da lei não trouxe consigo políticas de inclusão para que os escravos, majoritariamente negros, se integrassem na sociedade, o que deixou marcas no Brasil atual, segundo explicou à Agência Efe a promotora do Ministério Público da Bahia, Lívia Santana Vaz.
"A partir da Lei Áurea, o Estado brasileiro não só foi omisso, mas responsável pela construção dessa sociedade racialmente hierarquizada", declarou Vaz durante o ciclo de conferências "Abolição 130 anos depois", realizado em São Paulo dentro da agenda do Pacto Global da ONU.
Para Vaz, o decreto que proibiu a servidão forçada é ensinado nas escolas de uma maneira "romântica" e como "um ato de caridade", embora, na realidade, "nada nesse país jamais foi concedido dessa maneira à população negra".
"Essa lei é resultado do processo de muita luta e resistência do povo negro, o problema é que a história sempre é contada da perspectiva do colonizador, de uma perspectiva eurocêntrica", declarou.
O governo da época deu prioridade a políticas de "embranquecimento", que condenavam as relações entre negros e brancos, e impulsionou a "imigração pactuada", por meio da qual incentivava a imigração europeia em troca de terras e postos de trabalho.
Essa, segundo a promotora, é uma das razões pelas quais os negros são maioria nas áreas mais pobres e periféricas no Brasil, onde representam 54% da população, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Para Ana Claudia Jaquetto Pereira, do Fundo de População da ONU, uma das principais manifestações do "racismo institucionalizado" no Brasil é a violência contra a população negra, sobretudo entre os jovens, grupo no qual de cada 100 pessoas assassinadas, 71 são negras.
Segundo as estatísticas divulgadas pela ONU, cerca de 23.000 jovens negros morrem violentamente a cada ano no país, o que equivale a um a cada 23 minutos.
Além disso, enquanto a taxa de homicídios por cada 100.000 habitantes caiu em 12% para os não-negros entre 2005 e 2015 no Brasil, a dos negros saltou em 18% no mesmo período; números que, segundo a ONU, demonstram "o peso do racismo no atual cenário de violência no país".
Por isso, a ONU lançou a campanha "Vidas Negras", que promove uma "maior sensibilização com relação à violência contra a juventude negra" e alerta sobre "a gravidade desse fenômeno".
"Queremos inserir o tema na agenda nacional, principalmente entre as pessoas que ocupam postos de poder e de tomada de decisões", ressaltou Pereira, que espera que "estas ações se traduzam em políticas públicas e ações concretas".
Na luta por mais inclusão e menos estereótipos, a arte ocupa um lugar fundamental. Isso é o que acredita o rapper Rincon Sapiência e, por isso, aposta nas suas criações para empoderar a juventude e promover o debate social.
O cantor explicou que o principal desafio no combate contra o racismo é a construção da autoestima da população negra, pois muitas vezes as "próprias manifestações da cultura negra são vistas como ofensas e crimes dentro dos pilares racistas da sociedade".
Segundo Lívia Vaz, o Brasil ainda tem uma árdua agenda em questão de igualdade racial nessa "abolição inacabada". Mas uma coisa é certa: a comunidade negra teve um papel-chave em muitos episódios da história do país ao longo de cinco séculos.
"O ponto não é que não fomos protagonistas, mas não fomos protagonizados pela História. Mas nós fomos protagonistas de muitas e muitas histórias e a nossa resistência é a prova", concluiu.
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