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Escândalo de adoções ilegais na Irlanda pode afetar milhares de pessoas

30/05/2018 15h59

Javier Aja.

Dublin, 30 mai (EFE).- Um escândalo de adoções ilegais que pode afetar centenas de milhares de pessoas abriu um novo capítulo na história obscura da Irlanda, envolvida em casos de abusos cometidos pela Igreja católica contra menores e mulheres.

O primeiro-ministro irlandês, o democrata-cristão Leo Varadkar, confirmou nesta quarta-feira no parlamento a existência de graves irregularidades cometidas nos processos de adoção pelas agências, algumas delas gerenciadas por ordens religiosas.

Varadkar indicou que o escândalo poderia afetar "centenas de milhares" de pessoas, embora a Tusla, agência estatal de assuntos familiares e do menor, só tenha detectado, por enquanto, 126 casos nos quais os pais adotivos foram inscritos como "biológicos" entre 1946 e 1969.

A Tusla descobriu estes erros ao analisar os arquivos da agência de adoção St Patrick's Guild, gerenciada pelas Irmãs da Caridade até que cessou sua atividade nesta área em 2004.

Entre os bebês dados em adoção pela St Patrick's Guild está o deputado anticapitalista Richard Boyd Barrett, de 51 anos, que hoje qualificou as revelações como "explosão" e disse que "agora tem muitas perguntas a fazer à sua família adotiva e biológica".

"Não sei realmente se eu sou um desses casos, provavelmente não", disse na Câmara dos Deputados Boyd Barrett, cuja mãe biológica é a atriz irlandesa Sinéad Cusack, atual mulher do ator britânico Jeremy Irons, segundo revelou o político em 2007.

Perante a gravidade da situação, Varadkar, de 39 anos e gay assumido, pediu perdão em nome do governo e lamentou que se tenha aberto "outro capítulo" da "história mais obscura da Irlanda".

No entanto, comemorou que este país, de 4,7 milhões de habitantes, é agora "muito diferente, como demonstra o resultado do referendo do fim de semana passado".

O líder conservador fazia referência à contundente vitória do "sim" à reforma da lei do aborto, em uma consulta que constatou a perda de influência da Igreja católica, castigada pelos escândalos de abusos cometidos contra menores e mulheres em centros de amparo.

É o caso, por exemplo, dos infames Asilos de Madalena, onde foram internadas, entre 1922 e 1996, milhares de mulheres em um regime de semiescravidão por diferentes motivos, entre eles a gravidez fora do casamento, que, em algumas ocasiões, acabava com a entrega do bebê para adoção.

"Este novo caso poderia ser muito traumático para muita gente e peço perdão por isso", declarou hoje Varadkar, que ressaltou que estas pessoas têm direito a "conhecer sua identidade e histórico de nascimento", ao mesmo tempo em que reconheceu que as irregularidades poderiam afetar várias agências de adoção e "centenas de milhares" de irlandeses.

O primeiro-ministro explicou na Câmara irlandesa que a prioridade do seu governo é agora determinar o alcance deste escândalo e encontrar os envolvidos, embora tenha admitido que é uma "tarefa gigantesca".

"Há gente que vai descobrir que foi adotada desta maneira, depois de crer durante 50 ou 60 anos que eram filhos biológicos das pessoas que lhes criaram. Também será difícil para os pais que lhes criaram, pois deverão ter uma conversa delicada", comentou Varadkar.

Por sua parte, a organização de proteção de menores Barnardos afirmou hoje que o governo deve realizar uma investigação especial para determinar as circunstâncias de, pelo menos, 150.000 adoções.

"Me surpreenderia se, pelo menos, 10% desse total não fosse ilegal", destacou o diretor-executivo da Barnados, Fergus Finlay, à emissora pública "RTE".

"Disseram a muitas mulheres que seus bebês tinham morrido depois de tirá-los e lhes pediram que não perguntassem mais. Algumas mulheres sofreram um grande trauma durante anos", denunciou o ativista.