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Mulheres sauditas tentam driblar repressão com programa de rádio

31.jul.2018 - Mulheres saudidtas participam de uma maratona hacker em Jeddah, Arábia Saudita. O país árabe é um dos mais atrasados em relação aos direitos das mulheres no mundo - Amer Hilabi / AFP
31.jul.2018 - Mulheres saudidtas participam de uma maratona hacker em Jeddah, Arábia Saudita. O país árabe é um dos mais atrasados em relação aos direitos das mulheres no mundo Imagem: Amer Hilabi / AFP

Isaac J. Martín

No Cairo

04/09/2018 06h00

Em um lugar do mundo, Ishtar pega nos microfones todas as semanas e consegue reunir dezenas de mulheres sem o temor de repressão que rouba a voz das sauditas, submetidas a um patriarcado que resiste a uma mudança no país.

Ela está há um mês no ar com a emissora "Nsawya FM" (Feminismo, em árabe) e Ishtar, como quer que a chamem, assegurou à Agência Efe que elas necessitam do rádio "agora mais do que nunca", por causa da "perseguição" na Arábia Saudita contra as ativistas presas nos últimos meses, que lutaram durante décadas pelos direitos da mulher no reino.

Protegidas pelo anonimato, uma equipe que passa de 20 voluntárias, oriundas da Arábia Saudita e de outros países, se reúne a cada semana para gravar o programa de rádio que conta com mais de 4.000 seguidores no Twitter, embora vivam em alerta, "porque a repressão alcança todo mundo nesta etapa".

"Simplesmente, eles temem mudança", disse Ishtar, porque a sociedade saudita "é feita de um só molde".

"É normal que enfrentemos machistas que temem romper com esses moldes, nos quais foram educados e que os colocaram em um grau ao lado de deuses, algo que conseguiram sem merecer e que não desejam perder", lamentou.

O assédio sexual, a perseguição às ativistas na Arábia Saudita e o pedido de acabar com a tutela do homem -- que os dá autoridade para tomar decisões em nome delas --, são alguns dos temas denunciados na emissora.

Mulheres sauditas na maratona hacker de Jeddah - Amer Hilabi / AFP - Amer Hilabi / AFP
Mulheres sauditas na maratona hacker de Jeddah. No país, muitas mulheres lutam para ter os mesmo direitos do que os homens e liberdade para tomas as próprias decisões
Imagem: Amer Hilabi / AFP

No programa mais recente, de 1h40m de duração dedicados exclusivamente ao assédio sexual no Oriente Médio, as duas apresentadoras falam com algumas vítimas, que tem suas vozes distorcidas para contar seu testemunho.

"Após os dois primeiros episódios, constatamos que o governo saudita nos bloqueou. Por que tem medo? Sempre proclama que as sauditas vivem bem, como rainhas (...) Por que o Governo tem medo agora?", perguntou uma das locutoras, afirmando que busca outras plataformas para que os ouvintes continuem escutando o canal.

A Arábia Saudita conseguiu calar, por enquanto, destacadas defensoras dos direitos da mulher saudita como Loujain al Hatloul, Imã al Nafyan e Aziza al Youssef.

As três figuram em uma lista de 12 detidos há mais de três meses acusados de "terrorismo" e de manter contatos com indivíduos e organizações "hostis" ao reino, segundo a Promotoria Geral saudita.

Elas queriam acabar com as restrições que deixaram as mulheres em segundo plano em uma sociedade ancorada em uma tradição primitiva e em um visão extremista do Islã, como o veto de dirigir para as mulheres. O governo saudita suspendeu esta proibição há dois meses, mas antes que as ativistas pudessem dirigir, as autoridades colocaram várias delas na prisão, uma ação denunciada por várias organizações não governamentais, embora contemplada em silêncio pela comunidade internacional.

De "uma província" do reino ultraconservador, a saudita Zeinab, que se esconde sob um pseudônimo por motivos de segurança, disse ter ouvido na Arábia Saudita os programas da "Nsawya FM", nos quais as locutoras "são muito sinceras e dizem as coisas pelo seu nome".

"É importante que exista conteúdos feministas porque acredito que roubaram as vozes das mulheres", disse Zeinab. "As outras vozes não contam bem o sofrimento, como é. São vozes que só revelam um quarto do sofrimento que passam as sauditas", acrescentou.

"Essas outras vozes são aquelas da classe alta que ignoram o que se vive", esclareceu Zeinab.

"Por esse motivo, a 'Nsawya FM' é o que queremos para encontrar as nossas verdadeiras vozes", concluiu a mulher.