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Documentário revela mistérios e tabu que cercam produção da pistola Glock na Áustria

Pistola Glock 9mm  - AP Photo/Don Petersen
Pistola Glock 9mm Imagem: AP Photo/Don Petersen

Luis Lidón

Em Viena

14/11/2018 06h03

Leve, rápida e praticamente infalível, a pistola Glock, cultuada por criminosos, amantes das armas e policiais, é o produto mais letal exportado pela Áustria, país conhecido pela adoção da neutralidade após a Segunda Guerra Mundial.

A Glock tornou-se uma marca global, exaltada por cantores de hip-hop e por filmes produzidos nos Estados Unidos, principal mercado da arma, mas é repleta de mistério no território austríaco.

O documentário "Weapon of Choice" ("A Arma Preferida", em tradução livre), que estreou nos cinemas recentemente, pretende acabar com o tabu que existe sobre a arma na Áustria, segundo os diretores do longa-metragem.

O criador da pistola, Gaston Glock, de 89 anos, sempre evitou exposição pública. E tornou a empresa conhecida pela política de processar aqueles que falam sobre ela de forma negativa.

A Agência Efe entrou em contato com Glock para saber o que o fundador da empresa achava do documentário, mas não obteve retorno.

Imagem do documentário "Weapon of Choice" ("A Arma Preferida", em tradução livre) sobre a pistola Glock, de origem austríaca,  cultuada por criminosos, amantes das armas e policiais - EFE - EFE
Imagem do documentário "Weapon of Choice" ("A Arma Preferida", em tradução livre)
Imagem: EFE


Os diretores austríacos Fritz Ofner e Eva Hausberger mostram no filme um rastro de dinheiro e sangue, um aspecto da exportação das pistolas Glock que, segundo eles, a Áustria preferiu não conhecer.

"Uma Glock nunca te deixa de mãos abanando. Pode ter certeza disso", diz no documentário um atirador iraniano.

O entusiasmo é compartilhado do outro lado do mundo por um vendedor de uma loja de armas nos Estados Unidos. "Nunca falha. É fácil de usar e de limpar. É como (o fuzil russo) AK-47", compara.

Parte da lenda se deve a como a pistola foi inventada. Gaston Glock, um engenheiro de meia idade que fabricava facas, disputou uma licitação do Exército austríaco em 1980 sem ter qualquer experiência na produção de armas de fogo.

O resultado foi um equipamento mais leve, porque usava peças plásticas, em vez de metálicas, muito fácil de desmontar, compacto e de estética minimalista. Além disso, a Glock permitia a colocação de mais balas no carregador e nunca engasgava.

A arma acabou revolucionando o mercado das pistolas semiautomáticas, sobretudo nos EUA, o maior e mais lucrativo do mundo. Por isso, alguns comparam Glock com Steve Jobs, o visionário fundador da Apple.

À medida que a lenda sobre a pistola ganhava novos capítulos, a empresa passava a faturar cada vez mais dinheiro. Agora, a Glock é uma multinacional que fabrica 1,5 milhão de armas por ano, conta Ofner, que dedicou seis anos para buscar informações para o filme.

"Estive em outros projetos em zonas de conflito, como na Guatemala, na Colômbia, na Líbia, na Síria e no Iraque. E lá encontrei várias vezes o mito da Glock", revela o diretor.

"Quando voltava à Áustria, me surpreendia com o pouco que sabíamos sobre tudo isso, o que despertou minha curiosidade. Essa foi a motivação para fazer o filme", explicou Ofner à Efe.

O diretor dedicou uma parte importante do tempo de produção para garantir que a empresa não pudesse processá-lo, algo que até agora ainda não ocorreu. Segundo ele, os funcionários da Glock devem assinar um termo de confidencialidade e, por isso, um dos principais problemas foi encontrar pessoas dispostas a falar.

A Glock emprega mais de 1,3 mil funcionários em quatro fábricas, duas delas na Áustria, em Deutsch-Wagram e Ferlach, onde rege uma "cultura do silêncio", de acordo com o diretor.

"Ninguém quer falar com você, nem políticos ou moradores", afirmou Ofner, ressaltando que a imprensa também não publica matérias sobre a empresa para evitar problemas legais.

No entanto, uma recente investigação conduzida pelo jornal "Der Standard" e pela revista "Dossiê" revela a existência de uma "estreita relação" entre Glock e o Partido da Liberal (FPÖ), de extrema direita, que atualmente faz parte do governo austríaco.

Três ministros do partido, incluindo o líder do FPÖ e vice-chanceler do país, Heinz-Christian Strache, foram convidados neste ano para uma luxuosa corrida de cavalos organizada por Glock.

O FPÖ é conhecido por defender uma política mais aberta sobre a questão das armas, tanto no que tange à posse como em temas relativos à exportação desse tipo de produto.

Ofner espera que o documentário quebre o mistério em torno de Glock e abra caminho para um debate mais transparente sobre a política de armas na Áustria.