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Ex-guerrilheiros das Farc encontram via para reinserção no cultivo de abacaxi

24/11/2018 10h06

Santiago José Sánchez.

La Montañita (Colômbia), 24 nov (EFE).- Em Aguabonita, um dos acampamentos de reincorporação que a antiga guerrilha das Farc tem no departamento de Caquetá, seus integrantes encontraram no cultivo de abacaxi a via para que deixem de ser considerados "cidadãos de segunda".

A assinatura do acordo de paz há dois anos, em 24 de novembro de 2016, mudou a vida de muitos deles e deu a possibilidade de começarem de novo.

Em Montañita, cidade de Caquetá, este pequeno grupo empreendeu seu particular caminho para a paz apostando na agricultura em um departamento onde predomina justamente essa atividade.

A chegada ao acampamento Aguabonita é mais fácil se for feita de helicóptero; caso contrário é preciso circular por estreitas estradas de terra até chegar a este enclave montanhoso.

Os rostos dos antigos chefes guerrilheiros Manuel Marulanda, Alfonso Cano e Jacobo Arenas decoram este acampamento de reinserção das Farc e rompem com a estética que se pode esperar de um local com estas caraterísticas: casas pré-fabricadas de tetos de folha-de-flandres e paredes brancas.

Seus rostos estampados no local também não são fruto do acaso. O acampamento organizou um concurso de grafite para decorar as paredes e os artistas decidiram modelar nelas os rostos de antigos dirigentes guerrilheiros.

Diego, um dos ex-guerrilheiros, se encarregou de coordenar e pintar muitos deles. Natural da região do Eje Cafetero, entrou para as Farc com apenas 16 anos, em 1999, porque se sentia atraído por alguns dos seus postulados, e fez parte das frentes 14, 49 e 32.

"Nestes 20 anos de conflito, todos tínhamos que estar preparados para tudo", diz à Agência Efe com um meio sorriso e olhar triste quando questionado se entrou em combate em alguma ocasião.

Caquetá foi uma das zonas da Colômbia mais assoladas pelo conflito armado ao ser foco de atividade guerrilheira, até o ponto de entre 2002 e 2012 terem ocorrido 1.502 combates entre a polícia e as Farc.

"A nossa empresa quer construir a paz", proclama convencido o líder deste campo, Federico Montes, que ressalta que as reincorporações não devem se entendidas como algo exclusivo dos que foram guerrilheiros.

A economia de Aguabonita se centra na produção agrícola, fundamentalmente no abacaxi, fruta da qual já é o maior produtor na região.

Ali, as coisas funcionam como uma cooperativa na qual cada ex-guerrilheiro forneceu um milhão de pesos (US$ 315) para constitui-la, justamente a metade do que receberam do governo para serem reinseridos na vida em sociedade.

"Se não fosse pelas economias dos ex-guerrilheiros ainda seguiríamos vivendo à deriva", reconhece Montes, que se mostra agradecido à União Europeia (UE) pelo apoio econômico dado ao projeto.

"É preciso ir abrindo caminho até se transformar em um aliado estratégico", afirma.

A contribuição do Fundo Europeu para a Paz, originalmente de 96,5 milhões de euros, chegará até 120 milhões de euros, recursos que incidem de maneira direta nestas comunidades.

Em Aguabonita o dinheiro será usado para a construção de uma fábrica para tirar a polpa da fruta e poder processá-la de maneira industrial.

Os níveis de desenvolvimento e consenso atingidos pelo projeto desta comunidade não seriam possíveis sem a cooperação de todos os atores envolvidos e também do exército.

O general César Augusto Parra é o comandante da Sexta Divisão do Exército, que está estabelecida em Caquetá, e advoga abertamente por "estar à frente do conceito de segurança".

"A nossa missão é gerar segurança, mas isso vai pelas mãos do fortalecimento institucional, desse respeito pelos direitos humanos", diz o general diante da comunidade e de uma delegação da UE liderada pelo diretor-geral de Cooperação Internacional e Desenvolvimento, Stefano Manservisi, e pelo enviado especial para a paz da Colômbia, Eamon Gilmore.

Uma destas linhas de cooperação radica na construção de infraestruturas, razão pela qual o exército pôs à disposição dos locais seu batalhão de engenheiros.

No entanto, o principal desejo para os ex-guerrilheiros é que o processo de paz mude a percepção da sociedade com relação a eles.

"Que a cidadania nos traga direitos e que não sejamos cidadãos de segunda categoria", resume Montes, que destaca a "vontade inquebrantável" destes antigos guerrilheiros para que o processo de paz termine com sucesso.