Topo

Contrabando aumenta poder, e divisão política se acentua na Líbia

21/12/2018 23h20

Mohamad Abdel Kader.

Trípoli, 21 dez (EFE).- As máfias dedicadas ao tráfico de pessoas, combustível e armas aumentaram seu poder e controle na Líbia em um ano em que o fracasso do plano de paz da ONU e a queda de braço entre Itália e França acentuaram a instabilidade e a divisão política.

Segundo dados de órgãos vinculados às Nações Unidas, esta economia paralela movimenta mais de US$ 10 bilhões por ano e é a principal fonte de trabalho para as famílias líbias, em particular das populações no sudoeste e noroeste do país.

Cerca de US$ 1,5 bilhão correspondem ao negócio da migração clandestina à Europa, que este ano manteve sua pujança na Líbia, apesar do acordo fechado em 2017 pelo governo italiano com algumas organizações ter conseguido reduzir o número de pessoas que em 2018 chegaram à costa europeia.

De acordo com a Organização Internacional das Migrações (OIM), neste ano cerca de 24 mil pessoas conseguiram desembarcar nos portos de Itália e Malta através da chamada "rota central do Mediterrâneo", a mais mortífera do mundo, com mais de 1.200 mortos em 2018.

Números muito menores que os de 2017, ano no qual mais de 120 mil pessoas chegaram a esses dois países e cerca de 2.900 perderam suas vidas e esperanças no mar, mas que não se traduziram em uma redução do negócio, já que os migrantes continuam chegando à Líbia, onde ficam nas mãos das máfias.

Organizações de defesa dos direitos humanos calculam, por sua parte, em mais de US$ 2 bilhões o lucro gerado pela venda fraudulenta de gasolina e outros produtos refinados líbios comercializados de contrabando nos países vizinhos.

O roubo sistemático de combustível faz com que também entre na Líbia de forma clandestina gasolina e diesel dos países vizinhos, vendidos em quantidades astronômicas no mercado negro.

Um círculo vicioso assentado nas antigas rotas de caravanas das quais as diferentes organizações jihadistas presentes na Líbia e em outras regiões do Sahel também se aproveitam para movimentar armas e homens.

O confronto político, que se intensificou neste ano, favoreceu a consolidação destas máfias, que em muitas populações do oeste do país se transformaram na única alternativa para o desemprego.

A Líbia é um Estado fracassado, vítima do caos e da guerra civil, desde que em 2011 a comunidade internacional contribuiu militarmente para a vitória das diversas facções rebeldes sobre a ditadura de Muammar Kadafi.

Atualmente o país tem dois focos de poder, um no leste liderado pelo marechal Khalifa Hafter, um ex-membro da cúpula militar que alçou Kadafi ao poder e que anos depois, recrutado pela CIA, viajou aos Estados Unidos e se tornou um de seus principais opositores no exílio.

O outro, no oeste, é liderado por Fayez al Sarraj, político que é apoiado pela ONU e a União Europeia, apesar de não contar com legitimidade democrática - como seu rival - e apenas controla a capital e algumas milícias do sul.

Junto a eles, ainda conservam uma parcela grande de poder as cidades-estado de Zintan e Misrata, esta última inimiga implacável de Hafter.

E as tribos Tuaregue e Tebu, que se dividem no sul do país, e que mantêm relações ambivalentes com os poderes do norte.

Nesse contexto, o novo enviado especial da ONU à Líbia, Ghassan Salamé, lançou em setembro de 2017 um plano de paz que tinha como objetivo convocar eleições presidenciais e legislativas em 2018.

Um plano que foi adiado devido, sobretudo, à queda de braço da Itália - que apoia o governo em Trípoli - com a França, um dos principais defensores do polêmico marechal.

Em maio, o governo francês convidou Hafter - até então uma figura eludida pela ONU e outros atores externos - a Paris e marcou as eleições para o dia 10 de dezembro, contra a opinião da ONU e em um aberto desafio à Itália, que mantém uma tensa relação com o oficial.

Pressionado, o governo italiano convocou em novembro uma cúpula internacional em Palermo à qual compareceram tanto Hafter como Al Sarraj, e na qual houve acordo para o adiamento do pleito para 2019.

Uma consulta à qual Hafter - atual homem forte do país - se opunha no início de 2018 e que 12 meses depois sua milícia diz agora apoiar, consciente de que é uma oportunidade para realizar a aspiração que sempre admitiu: entrar em Trípoli. EFE