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O incômodo último ano de Akihito no Trono do Crisântemo

21/12/2018 23h19

Antonio Hermosín Gandul.

Tóquio, 21 dez (EFE).- Akihito viveu em 2018 seu último ano como imperador do Japão antes da abdicação, após um reinado marcado pelo pacifismo e a proximidade com o povo japonês, o que incomodou o governo do primeiro-ministro Shinzo Abe e os setores mais conservadores do país.

Com a saúde cada vez mais frágil, Akihito, nascido em 23 de dezembro de 1933, deixará o Trono do Crisântemo em 2019 após esperar quase três anos desde que expôs o desejo de renunciar, devido às particularidades da conjuntura constitucional da monarquia reinante mais antiga do mundo.

Embora a sucessão em vida de imperadores tenha sido habitual em outras épocas da história do Japão, esta prática não é contemplada na atual Carta Magna, por isso foi necessário desenvolver uma legislação que só será aplicada ao caso de Akihito através de um tortuoso processo legislativo.

A Constituição do Japão pós-guerra restringe o imperador a funções unicamente simbólicas e cerimoniais - os imperadores ficaram com status de figura semidivina -, um papel que Akihito desempenhou com profundo significado social e político.

O atual imperador "consolidou a integração democrática da monarquia japonesa" após uma era na qual seu predecessor, Hirohito, ainda carregava o estigma da responsabilidade pela II Guerra Mundial, explicou o historiador especializado na realeza japonesa Hideya Kawanishi, em um encontro com a imprensa.

Akihito defendeu o pacifismo em seus discursos ao longo de três décadas no trono e refletiu sua vontade de curar as feridas do passado belicista japonês em viagens a diversos países que sofreram as agressões do Exército Imperial, o que contrasta com a linha revisionista do atual primeiro-ministro.

A isto se somam seus esforços para dar uma imagem em sintonia com monarquias modernas ocidentais e mais próximas ao povo japonês, manifestados desde que se casou com Michiko, a primeira imperatriz japonesa de origem plebeia, até em suas frequentes visitas a áreas castigadas por desastres naturais.

"Muitas vozes conservadoras o criticam por ter estado perto demais do povo e se escandalizaram com imagens como as do imperador estendendo a mão a cidadãos de pé", explica Kawanishi.

Akihito, em suas visitas aos afetados pelo tsunami de 2011 e às vítimas das inundações que devastaram o oeste do país em julho deste ano, deixou de lado a tradição imperial que proíbe o contato físico de pessoas comuns com um imperador.

"Para os conservadores, o desejável seria um perfil quase não visível para o povo, pois deste modo teria uma maior autoridade e seria mais respeitado, como acontecia com os imperadores pré-guerra", afirma o professor da Universidade de Nagoya.

Kawanishi acredita que um dos motivos principais que levaram Akihito a renunciar foram as pressões para reduzir seus atos públicos exercidas pelo governo e pela Agência da Casa Imperial, um órgão estatal e independente do governo que controla os assuntos da família imperial e administra sua agenda.

"Acho que não estava muito feliz com a possibilidade de continuar sendo imperador, sem poder desempenhar os trabalhos que ele considerava necessários como símbolo do Estado que a Constituição lhe atribui", afirma o historiador.

O embate entre um imperador progressista, instituições imprecisas e a ala mais à direita do governante Partido Liberal Democrata - que constituem uma forte influência dentro da legenda - também explica a demora no processo de abdicação, conduzido com extrema cautela por todas as partes.

Ao longo de 2018, o governo e a Agência da Casa Imperial japonesa terminaram de organizar o calendário para a renúncia formal de Akihito e a ascensão ao trono do príncipe herdeiro, Naruhito.

O imperador deixará seu cargo no próximo dia 30 de abril, dois anos e nove meses depois de anunciar sua abdicação de forma indireta em uma mensagem excepcional transmitida pela televisão, e no dia seguinte seu filho o sucederá em um ritual íntimo e a portas fechadas.

A cerimônia oficial de ascensão ao trono do novo imperador será realizada em 22 de outubro, em um ato no Palácio Imperial de Tóquio com a presença de milhares de convidados e delegações de todo o mundo.

Akihito, sem poder intervir em todo este processo devido aos seus poderes limitados, esperou o final do seu reinado enquanto sofria com novos problemas de saúde que o obrigaram a cancelar atos da sua já limitada agenda, como uma disfunção cerebrovascular que o manteve convalescente durante vários dias em julho deste ano. EFE