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Siberiano investiga stalinismo pelo assassinato de seu bisavô

02/01/2019 06h03

Ignacio Ortega.

Moscou, 2 jan (EFE).- "Uma insaciável sede de vingança" é o que levou o siberiano Denis Karagodin a dar nome e sobrenome a cada um dos envolvidos no assassinato de seu bisavô durante a repressão na era stalinista.

"Será como um Nuremberg russo, mas, ao contrário do alemão, não será obra de um conjunto de países e de um grupo de advogados, mas de um só homem da cidade siberiana de Tomsk e armado exclusivamente com sua educação universitária", afirmou à Agência Efe Karagodin, filósofo de formação.

Karagodin conseguiu algo aparentemente impossível neste país: voltar aos passos que vão desde as três pessoas que participaram diretamente no assassinato de seu antepassado em 21 de janeiro de 1938, Stepan Karagodin, até o próprio Josef Stalin, que assinou um ano antes o decreto que deu início à campanha de repressão em massa na União Soviética.

Este filósofo siberiano publicou em seu blog a lista das dezenas de pessoas envolvidas no caso com fotos, documentos e dados biográficos, o que inclui chefes da polícia secreta de Tomsk, dirigentes locais, membros da juventude comunista, integrantes do tribunal, motoristas que transferiram os réus e executores do crime.

"Fui ao escritório do FSB em Tomsk e fiz várias perguntas: Quem matou meu bisavô? Onde está seu corpo? Os que o mataram foram castigados ou processados? Não recebi uma resposta satisfatória a essas perguntas e depois disso começou minha investigação", relatou.

Sua maior descoberta foi que "nenhum" dos que participaram dos assassinatos maciços em Tomsk, que ele estima em pelo menos dois mil, foi castigado e "muitos deles viveram" até os anos 80 e 90.

O mais surpreendente é que depois de quase cinco anos de investigações, o Serviço Federal de Segurança (FSB, antiga KGB) entregou a ata que confirma o fuzilamento de seu bisavô e os nomes de três executores: Nikolai Zirianov, Sergei Denisov e Yekaterina Noskova.

Karagodin reconhece que os historiadores que estão há décadas investigando as repressões stalinistas não acreditavam que tais documentos existissem e, menos ainda, que fosse possível ter acesso a eles, um precedente de consequências imprevisíveis para o Kremlin.

"O grande problema radicava e segue radicando em que eu investigo os assassinatos maciços, mas não as vítimas, mas os assassinos, os agentes dos serviços secretos. Esses agentes estão protegidos pelos serviços secretos. Esse é o maior problema e dificuldade. Trata-se do NKVD, da KGB e agora do FSB", explicou.

O siberiano reconhece que daria tudo para não ter conhecido muitas das brutalidades cometidas durante os anos 30, mas acredita que é "importante", um "dever familiar" e um precedente para outros parentes dos que foram afetados ter revelado "a logística dos assassinatos maciços em Tomsk".

Contudo, não considera a investigação encerrada, já que ainda não recebeu o corpo de seu bisavô, um camponês a quem os bolcheviques nunca perdoaram por ter se oposto à revolução, e também necessita saber o local onde foi enterrado.

Seu bisavô foi detido em 1921 por ser proprietário (kulak) e apoiar os brancos e foi condenado a três anos de prisão; em 1928 foi de novo sentenciado a três anos por sabotagem contrarrevolucionária e em dezembro de 1937 foi detido e dois meses depois fuzilado aos 57 anos como parte de uma fictícia rede de espionagem japonesa.

"A investigação está no apogeu. O maior sucesso ainda está pela frente", assegurou Karagodin, ressaltando que sua investigação conseguiu evidenciar não só a crueldade do regime, mas também "a indústria da falsificação" que sustentava o stalinismo, o que arruinou a vida de milhões de pessoas.

O objetivo final é levar diante da Justiça os assassinos de seu bisavô, algo que, embora já tenham se passado 80 anos da morte, considera "possível", já que sua investigação apresentou provas irrefutáveis do envolvimento tanto de agentes dos serviços secretos como de seus chefes e do próprio Stalin na conspiração criminosa.

"Em caso de sucesso, todos eles serão reconhecidos como criminosos e simples e ingenuamente assassinos", frisou.

Por enquanto, um de seus maiores sucessos é a carta recebida de Yulia, a neta de Zirianov, um dos executores de Stepan Karagodin, que lhe pediu perdão e lhe agradeceu por abrir seus olhos sobre essa "vergonhosa página" na história familiar.

"Não encontrará em mim um inimigo, mas uma pessoa que quer acabar de uma vez e para sempre com este interminável banho de sangue russo", respondeu Denis Karagodin. EFE