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Imprensa francesa começa a encarar seu próprio #MeToo

11/02/2019 17h47

Marta Garde.

Paris, 11 fev (EFE).- A "Ligue du LOL" nasceu há dez anos na França como um grupo fechado no qual influentes usuários do Twitter faziam "brincadeiras". Agora, porém, seus criadores são acusados de terem elaborado campanhas de ciberassédio contra mulheres, que estão começando a denunciá-los.

Após esse "LOL" (Laughing Out Loud, algo como "gargalhada"), 30 profissionais da comunicação e da publicidade lançaram um grupo no Facebook se valendo da ainda incipiente influência que tinham no Twitter para agir contra as suas "presas" nas redes. Alguns dos jovens integrantes da época hoje ocupam postos de destaque na imprensa francesa, e o mesmo caminho que usaram está de volta contra eles, denunciados progressivamente pelas pessoas afetadas, na maioria das vezes colegas de profissão.

A primeira a se manifestar foi a crítica audiovisual Aïcha Kottmann.

"Mudar é bom. Pedir desculpas para as pessoas assediadas é melhor. Minha mensagem é para todos os membros da 'Ligue du LOL' da época. Pode ser que vocês tenham esquecido, mas as pessoas que vocês prejudicaram têm uma memória melhor", afirmou.

Esta resposta ao jornalista Alexandre Hervaud, que indiretamente tinha defendido os integrantes desse grupo, abriu uma polêmica que provocou só nesta segunda-feira a emissão de várias advertências nas empresas, entre elas as do próprio Hervaud e do criador do grupo, Vincent Glad, ambos funcionários do jornal "Libération". No Twitter, Glad fez uma verdadeira "mea culpa" e disse não ser consciente do dano causado.

"O objetivo não era molestar mulheres, só brincar, mas rapidamente a nossa forma de diversão se transformou em problemática e não nos demos conta. Pensávamos que toda pessoa de visibilidade na internet, com seu blog, Twitter ou outros era digna de brincadeira", escreveu.

Fazer piadas também com homens não fez com que eles notassem a essência "profundamente machista" que a iniciativa adquiriu, e que segundo uma vítima chegou a passar das redes para a intimidação física.

Insultos, mensagens pejorativas, montagens e gifs com rostos de mulheres vinculados à imagens pornográficas faziam parte das ações, que inundavam as contas das atingidas. Uma delas, a cinegrafista Florence Porcel, conta que se sentia "constantemente vigiada" e que fez mudanças na sua vida a partir daquele "trauma".

Glad disse à Agência Efe que o grupo foi desativado há anos e fechado "recentemente". Isso não evitou que, em uma sociedade mais consciente sobre o feminismo e menos tolerante ao assédio, o caso tenha chamado a atenção assim que a sua existência começou a aparecer. O grupo, de fato, não tinha limites.

"Hoje fico horrorizado ao ver circular um de meus tweets de 2013, quando brincava sobre a cultura do estupro. Eu tenho vergonha", declarou Glad na sua mensagem.

Esta espécie de #MeToo do mundo da comunicação provocou até mesmo uma reação do governo. O secretário de Estado de Economia Digital, Mounir Mahjoubi, criticou "pessoas que acreditam que são reis da internet" e incentivou às vítimas a falar.

Já a secretária de Igualdade, Marlène Schiappa, foi além. Segundo ela, o assunto será levado ao Ministério da Justiça para considerar a possibilidade de ampliar a prescrição dos crimes de assédio online, que atualmente é de seis anos e são castigados com penas de um a três anos de prisão e até 45 mil euros de multa (quase R$ 190 mil). EFE