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Marielle Franco ainda 'vive' em obra de artistas negras de São Paulo

14/02/2019 18h12

Laura López.

São Paulo, 14 fev (EFE).- "Marielle vive" é a frase escrita em uma escadaria de São Paulo que leva o nome da vereadora Marielle Franco, uma obra em homenagem à batalha que ela liderou até ser assassinada, há 11 meses: a luta de mulheres negras e lésbicas por representatividade.

A vereadora do Rio de Janeiro era negra, lésbica e ativista dos direitos humanos e foi morta a tiros junto com o seu motorista na noite de 14 de março de 2018, um crime que quase um ano depois ainda não foi solucionado.

A escadaria, que tem cerca dez metros de altura, fica no bairro de Pinheiros e estampa o rosto de Marielle Franco. Nessa mesmo lugar, artistas negras e lésbicas também fizeram outras pinturas, depois que a Prefeitura apagou as antigas referências à política. O episódio que tentou calar a voz de Marielle se tornou um alto-falante da luta pela visibilidade de mulheres negras, lésbicas e da periferia.

A obra foi idealizada pelo coletivo "Casadalapa", de São Paulo, apenas seis dias depois do assassinato da vereadora. Com cerca de quatro metros de altura e três de largura, estampa o rosto de Marielle e era adornada com várias pinturas de diversos artistas.

De acordo com Patricia Bonane, uma das artistas que tinham suas obras estampadas na escadaria, meses depois da inauguração, os moradores descobriram que a Prefeitura iria fazer uma reforma e que a escadaria seria pintada de forma padronizada. Além disso, as autoridades tinham a intenção de despejar um casal que vivia há oito anos no local, mas diante "da pressão social", os moradores do bairro conseguiram impedir a ação, segundo Patricia.

Apesar dessa pequena vitória, a Prefeitura pintou o mural de cinza no final do ano passado, mas deixou a foto de Marielle e algumas frases ao lado. Tudo isso apenas depois da "pressão dos moradores", garantiu Patricia.

Questionada pela Agência Efe, a Prefeitura de São Paulo apenas enviou uma nota explicando que a ação era "uma reforma estrutural" da escadaria para "melhorar a segurança dos transeuntes".

Com o local cinza, a "Casadelapa" entrou em contato com um grupo de mulheres grafiteiras para retomar a obra, mas a lista de voluntárias despertou um debate.

"A maioria era branca e não periférica", explicou a artista Maria Luiza Meneses.

A partir disso, muitas pessoas pediram que fosse dado espaço às pessoas desfavorecidas e vítimas de preconceito, pelas quais Marielle lutava: mulheres negras e indígenas, periféricas e lésbicas. Segundo a artista, o mundo do grafite também é "hierárquico" e "só pinta quem tem dinheiro para comprar o material", explicou Maria, que também é estudante de História da Arte.

"São as mulheres negras as que ainda têm os piores empregos", disse.

De fato, quando foi criada a nova lista, as mulheres negras foram as que mais tiveram dificuldades para participar, porque "trabalhavam aos sábados, moravam mais longe ou não tinha com quem deixar seus filhos", segundo Maria.

Nas próprias rodas de conversa organizadas para a elaboração do desenho, surgiram queixas entre as mulheres brancas, que questionaram o novo sistema e falaram de "vitimismo" e "segregação".

Para Maria, isso só evidenciou a necessidade do debate, já que "não é fácil reconhecer seus privilégios" e é necessário "revisar nosso comportamento".

Enquanto conversava, ela observava diversas imagens de Marielle que decoram a escadaria, junto a flores e frases como "mulher negra existe" e "não serei interrompida", uma famosa frase da vereadora. Mas uma das frases mais repetidas é "Quem matou Marielle?", já que a obra serve também "para pedir respostas e justiça", explicou Laura Guimarães, outra das artistas.

"Para mim, sua morte foi muito impactante exatamente porque eu não conhecia sua figura", confessou Laura, que, a partir de então momento, disse ter notado a "quantidade de mulheres negras que hoje fazem ações muito importantes como Marielle".

Maria concordou com Laura e comentou que, embora a obra tenha nascido para "homenagear" a vereadora, também é uma ato de protesto de todas as autoras.

"Não devemos esperar que uma pessoa morra para dar valor ao seu trabalho", afirmou. EFE