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James Stern, o ativista negro que "enganou" os nazistas tornando-se seu líder

05/03/2019 06h00

Rafael Salido.

Washington, 5 mar (EFE).- Enganando os líderes do Movimento Nacional Socialista (NSM, sigla em inglês), o ativista negro James Hart Stern assumiu o controle deste emblemático grupo neonazista dos Estados Unidos, que agora luta para evitar a debandada de seus membros, segundo informaram fontes da organização.

"O senhor James Stern me enganou, me convenceu que para proteger nosso grupo do processo judicial que estamos sofrendo, devia passar a presidência para ele", lamentou o até então líder do NSM, Jeff Schoep, em comunicado obtido pela Agência Efe.

O processo citado pelo "comandante Schoep", como gosta de ser chamado o agora ex-presidente do movimento, remonta aos protestos que aconteceram em Charlottesville, no dia 12 de agosto de 2017, e que culminaram com a morte da jovem Heather Heyer, atropelada por um supremacista branco, James Fields.

Os fatos, que envolveram cerca de dez grupos extremistas, levaram a Universidade da Virgínia a apresentar uma queixa por danos emocionais e econômicos contra essas organizações, incluindo o NSM.

Foi nesse momento que entrou em cena a figura do reverendo Stern, conhecido ativista na luta pela igualdade racial, que, segundo seu site oficial, se ofereceu para ajudar Schoep a limpar a imagem de seu grupo em relação ao processo judicial.

"O NSM é um grupo que usava o símbolo mais ofensivo da Segunda Guerra Mundial, a suástica. O reverendo os levou a apagar a suástica de seu logotipo e agora eles reconhecem que o Holocausto era um fato, não uma propaganda", diz o texto publicado no site do ativista.

O que Schoep não suspeitava, ou pelo menos é isso que ele assegura, é que entre os documentos assinados por causa do seu acordo com Stern, está um em que ele cedia a presidência do grupo, como refletido nos registros do tribunal do processo contra o NSM.

Quando este detalhe veio à tona durante o julgamento, a surpresa foi generalizada.

O "capitão" Harry Hughes, porta-voz da organização, confessou à Efe estar "tão perplexo" quanto o resto do país.

Schoep, por sua vez, reagiu renunciando ao cargo e nomeando o "Chefe de Gabinete" do NSM, Burt Colucci, como seu sucessor; uma medida que pode não ser suficiente para evitar a debandada dos membros do grupo.

"Vocês são gigantes entre as pessoas inferiores e a lealdade de vocês será lembrada. Peço que sejam pacientes e fiéis enquanto projetamos um plano para o futuro", afirma o "comandante" em sua carta de despedida.

No entanto, pode ser que não exista tal futuro, uma vez que, como o próprio Schoep reconhece, a intenção de Stern parece ser tomar o controle para "dissolver o NSM".

Chama a atenção a inocência com a qual o líder nazista se apresentou neste caso, já que aparentemente não levou em conta que entre as conquistas que levaram ao reverendo a tornar-se uma referência do ativismo contra o racismo foi precisamente ter executado manobra semelhante que terminou com uma fraternidade da Ku Klux Klan (KKK), em 2016.

Nessa ocasião, Stern usou sua relação pessoal com o "grande mestre" do grupo, Edgar Ray Killen, para convencê-lo a dar-lhe o controle da organização.

A relação entre Stern e o já falecido Killen foi forjada atrás das grades de uma prisão no estado do Mississippi, onde o ativista cumpria pena por fraude e o membro do clã passou os últimos dias da sua vida, após ter sido condenado à prisão perpétua pelo assassinato, em 1964, de três jovens ativistas.

O significado desses homicídios foi tal que o cineasta Alan Parker repetiu a história em seu filme "Mississippi em Chamas" (1988).

Em seu blog, o próprio Stern reconhece que é "a maior das ironias" que Killen iniciasse uma amizade com ele, com ela permitindo que acabasse com a sua fraternidade do KKK, uma instituição que, no sul do país, "envenena tudo e a todos em seu caminho, sob uma liderança com um punho de ferro que deixa um rastro de sangue por onde passa".

Embora esta história seja bem conhecida em todo o país, Schoep defende que trabalhou "para proteger o NSM" e que sua intenção nunca foi prejudicar uma organização à qual dedicou "tantos anos de serviço".

Por tudo isso, o "comandante" conclui sua carta com um discurso que, no entanto, tem um sabor de derrota: "Lembre-se, é sempre mais escuro antes do amanhecer". EFE