Topo

Após renúncia de Nazarbayev, cazaques vivem entre a incredulidade e o medo

20/03/2019 16h17

Kulpash Konyrova.

Astana, 20 mar (EFE).- Os cazaques vivem hoje entre a incredulidade, a resignação e o medo do desconhecido, após a renúncia do presidente da maior república da Ásia Central, Nursultan Nazarbayev, no poder desde 1989.

"Não pode ser! Quando? O que aconteceu?". Essas foram as primeiras reações dos habitantes na capital do Cazaquistão, Astana, que agora mudará de nome e passará a se chamar Nursultan.

A notícia pegou de surpresa os cazaques que estavam a caminho de casa após o dia de trabalho na terça-feira, por isso muitos no início acreditaram que era só um rumor.

Os celulares não paravam de receber mensagens e comentários sobre a "notícia-bomba". Apenas hoje os cidadãos começaram a ter a real noção de que Nazarbayev já não é o chefe do Estado.

"Vi pela televisão o discurso do presidente e quase desabei de tanto chorar. Seu sangue frio na hora de deixar o cargo me impressionou profundamente", escreveu o usuário Gulzhan no Facebook.

Para os mais jovens, que nasceram depois da queda da União Soviética, a notícia não só foi só uma surpresa, uma vez que a saída de Nazarbayev abrirá um tempo de mudanças. "Ele já tem uma certa idade!", comentavam.

Zhangueldi Ajmetov, um empresário de 30 anos, disse à Agência Efe que sentia "tristeza", como se tivesse morrido um "ente querido", e "alegria" ao mesmo tempo, já que "haverá mudanças".

No entanto, Ajmetov não acredita que essas mudanças serão revolucionárias e se mostrou confiante quanto ao novo presidente do país, Kasim-Yomart Tokayev.

"Ele cedeu o poder a Tokayev, uma pessoa de sua equipe, um diplomata profissional. Portanto, não se deve esperar mudanças bruscas ou um sistema diferente", ponderou.

Outros cazaques não escondem sua inquietação por temerem que a renúncia do presidente abra um processo de instabilidade, tanto política como econômica.

"Só espero que a paz e a ordem sejam mantidas como era com Nazarbayev. Que as autoridades não cometam excessos, que sempre levam à desordem", disseram alguns cazaques à Efe.

Nessa linha também se expressou Laura Demesinova, uma trabalhadora e mãe de dois filhos, em pleno coração de Astana: "Para nós, Nazarbayev foi o fiador da paz no nosso país".

Sem sombra de dúvidas, os mais preocupados são os representantes das grandes companhias e membros de embaixadas estrangeiras.

"O que será dos contratos que dependem das garantias respeitadas por Nazarbayev?", se perguntaram alguns dos empresários entrevistados.

Como gostam de dizer os cazaques, o país abriga toda a tabela periódica, em alusão aos abundantes recursos naturais do seu território - petróleo, gás, urânio, ouro, cobre, níquel -, seja nas estepes ou no mar Cáspio.

O diretor da Associação de Energia Renovável do Cazaquistão, Arman Kashkinbekov, um dos milhares de profissionais que receberam uma bolsa para estudar no exterior, reconheceu que a notícia lhe causou no início uma sensação de "incerteza".

"Vivemos com Elbasi (pai da nação) no poder durante 30 anos. Estamos acostumados, mas no dia seguinte as dúvidas se dissiparam, já que compreendi que agora começa uma nova vida para o país", comentou.

O chefe do Banco Nacional do Cazaquistão, Erbolat Dosayev, disse em mensagem para dissipar os temores que não existe a possibilidade de uma "fuga de capitais".

"No país começa um novo rumo de desenvolvimento e o (ex-) presidente, como político sábio que é e com visão estratégica, nos deu um exemplo de sabedoria política sobre como se deve atuar para que o país criado por ele se desenvolva com sucesso", declarou Dosayev.

Na mesma linha, o deputado da câmara baixa do parlamento, Artur Platonov, se mostrou compreensivo com a inquietação que tomou conta de alguns cidadãos e analistas, ainda mais após o brutal atentado contra uma mesquita na Nova Zelândia.

"Quero garantir a vocês que o Cazaquistão segue o seu próprio rumo. Em 30 anos foi construída uma das economias mais fortes da Ásia Central. O que é imutável e é a nossa prioridade é a estabilidade e o bem-estar dos cidadãos. Essa é a maior prova de que os investidores não devem se preocupar. O governo não investe pouco dinheiro para solucionar os problemas sociais", ressaltou.

Como fez o Kremlin após o anúncio da renúncia, o embaixador da Rússia no Cazaquistão, Alexei Borodavkin, expressou sua esperança quanto à manutenção do "rumo político traçado por Nazarbayev".

Além disso, Borodavkin se permitiu fazer uma comparação com o primeiro presidente democrático da história da Rússia, Boris Yeltsin, que cedeu a presidência ao atual chefe do Kremlin, Vladimir Putin, em 31 de dezembro de 1999, "minutos antes do Ano Novo".

"Seu presidente renunciou dois dias antes do começo do Novo Ano do calendário oriental, ou seja, do Nouruz", indicou. EFE