Marchas do Retorno completam um ano, mas palestinos seguem frustrados
Joan Mas Autonell.
Gaza, 29 mar (EFE).- "Não tenho medo de nada", disse o palestino Abu Thaer al Mugrabi, um pai de família que está desempregado e participa há um ano dos protestos da Grande Marcha do Retorno na divisa entre Gaza e Israel e que, afirmou, está disposto a seguir protestando mesmo diante de todas as consequências.
"Somos assediados há anos, não tenho trabalho e quatro dos meus filhos estão desempregados", lamentou em sua humilde residência no campo de refugiados de Bureij, na Cidade de Gaza, onde dezenas de crianças palestinas e seus familiares brincam nas ruas estreitas.
Mugrabi recebe cerca de 440 euros a cada três meses em auxílios sociais para manter a família. Menos de 150 euros por mês.
A situação o faz ser um dos muitos que se manifestam a cada sexta-feira. E, em seu caso, faz também a cada dia, nos protestos noturnos na zona divisória.
As mobilizações completam um ano no sábado. Elas surgiram como um movimento popular, mas logo receberam o apoio das facções palestinas, entre elas o Hamas, considerada terrorista por Israel, pela União Europeia e pelos Estados Unidos. O movimento islamita governa a Faixa de Gaza desde 2007, ano em que os israelenses decidiram impor um bloqueio sobre a região.
A expectativa é que a data seja comemorada com a "Marcha do Milhão", uma grande manifestação para celebrar o primeiro aniversário dos protestos, nos quais mais de 260 palestinos morreram e cerca de 10 mil foram feridos em disparos israelenses.
"Gaza não tem futuro se o bloqueio não acabar", afirmou Mugrabi.
O analista Iyad Abu Hajaer, no entanto, avalia que o preço pago pelos palestinos nos protestos é "alto demais". Para ele, após um ano de marchas, poucos objetivos foram conquistados.
"Não há resultados tangíveis", disse Hajaer à Agência Efe.
Um dos poucos ganhos dos palestinos com os protestos, segundo o analista, foi ter colocado a questão dos refugiados palestinos no centro das discussões internacionais.
Abu Hajaer considera que a reivindicação é o "principal pesadelo de Israel", mas o país continua sendo o lado mais forte na disputa, o que torna inatingível, pelo menos por enquanto, o desejo dos palestinos de retornar às suas terras ancestrais.
"Os organizadores das marchas estabeleceram outras metas táticas, como o alívio do bloqueio e das restrições de movimento. Mas, um ano depois, o bloqueio não foi suspenso, a economia segue frágil, e a pobreza e o desemprego são gerais", explicou o analista.
"A falta de perspectivas pode fazer a situação explodir em qualquer momento", alertou Abu Hajaer, expressando um pensamento que domina as discussões dentro das agências internacionais que atuam na região e do próprio aparato de segurança de Israel.
Recentemente, a frustração diante da falta de progresso com as Marchas do Retorno se voltou contra Hamas, com manifestações de centenas de jovens que se rebelaram contra o empobrecimento e o encarecimento da vida na Faixa de Gaza, promovidas por ativistas nas redes sociais e reprimidas pelas forças policiais do grupo islamita.
"Já não há protestos", disse à Agência Efe de modo lacônico o veterano dirigente do Hamas, Ismail Radwan, referindo-se à autodenominada "Revolução dos Famintos".
Radwan acusou o presidente da Autoridade Nacional Palestina (ANP), Mahmoud Abbas, de conspirar para colocar as manifestações de descontentamento nas ruas, o que não tem precedentes em um enclave governado com mão de ferro pelo movimento islamita.
Ativistas e opositores também acusam o Hamas de ter monopolizado o controle das Marchas do Retorno e havê-las usado em benefício próprio.
Radwan nega e assegura que os protestos são independentes e neles participam igualmente todas as facções palestinas.
"Está claro que o 'momentum' dos protestos é para o Hamas", disse Abu Hajaer, que afirmou que estes representaram no início toda a sociedade de Gaza, mas com a passagem do tempo perderam parte do caráter popular pela intenção do grupo islamita de dominá-las.
O analista considerou que o Hamas cometeu um erro ao permitir que os jovens se aproximassem do muro na divisa, enfrentando os soldados israelenses. Isso provocou um rompimento com a ideia inicial dos protestos, que pregavam distância da cerca.
Nem todos os jovens participam dos protestos, que desde o início já tiveram oito escaladas militares entre as milícias palestinas e Israel. A última ocorreu nesta semana com projéteis para território israelense e bombardeios israelenses sobre a Faixa, amenizadas por frágeis tréguas mediadas pelo Egito e pelas Nações Unidas.
Mohammed Abu Thuraya, de 21 anos e irmão de Ibrahim, morto pelo Exército israelense nos protestos no muro em 2017, participou apenas uma vez das manifestações e não viu sentido nas manifestações.
Salem Ahmad, um jovem estudante que não esteve nas marchas, tem a mesma opinião. "É preciso explorar novas vias para defender a causa palestina", afirmou. EFE
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